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Lidando com o luto na Medicina Veterinária

A complexidade do luto no contexto da clínica veterinária, abordando as relações com os tutores, o impacto nos veterinários e suas equipes, podem ser significativas.

por Flávio da Silva Nunes

A perda de um animal de estimação representa um desafio emocional significativo tanto para os tutores quanto para os profissionais da medicina veterinária. A complexidade do luto no contexto da clínica veterinária, abordando as relações com os tutores, o impacto nos veterinários e suas equipes, podem ser significativas. Mas existem estratégias de suporte e autocuidado essenciais para lidar com esse aspecto inerente da profissão. A compreensão e o manejo adequado do luto são cruciais para fortalecer o vínculo tutor-veterinário e promover o bem-estar de todos os envolvidos.

O vínculo humano-animal é forte e multifacetado. Os animais de estimação são considerados, mais do que nunca, membros da família, oferecendo companheirismo, amor incondicional e apoio emocional. A perda desse laço íntimo pode desencadear um luto tão intenso quanto a perda de um ente querido humano.

A medicina veterinária, embora focada na saúde e bem-estar animal, inevitavelmente se depara com a finitude da vida. A eutanásia, muitas vezes uma decisão compassiva para aliviar o sofrimento, e a morte inesperada de um paciente desencadeiam um processo de luto profundo nos tutores. Este luto, embora muitas vezes subestimado pela sociedade em geral, é genuíno e pode ter um impacto significativo na saúde mental e emocional dos indivíduos.

Os tutores em luto podem experimentar uma variedade de emoções, incluindo tristeza profunda, raiva, culpa, negação, ansiedade e solidão. Manifestações físicas como alterações no sono e apetite, fadiga e dificuldade de concentração também são comuns. A intensidade e a duração do luto variam de indivíduo para indivíduo, influenciadas por fatores como a natureza do vínculo com o animal, as circunstâncias da morte, o suporte social disponível e a história pessoal de perdas do tutor.

É crucial que os profissionais da medicina veterinária reconheçam a legitimidade dessa dor e ofereçam um ambiente de acolhimento e compreensão. Validar os sentimentos dos tutores, permitir que expressem sua tristeza e oferecer informações claras sobre o processo de eutanásia ou a causa da morte são passos fundamentais para ajudá-los a iniciar o processo de luto de forma saudável. A exposição constante à doença, ao sofrimento e à morte pode levar à fadiga por compaixão, ao estresse e ao esgotamento emocional.

Médicos Veterinários, em particular, podem sentir um peso adicional devido à responsabilidade de tomar decisões de eutanásia e de comunicar más notícias aos tutores. A sensação de falha, mesmo quando todas as opções terapêuticas foram esgotadas, pode gerar angústia e autocrítica. Para aqueles profissionais que possuem algum tipo de neurodiversidade, esse impacto pode ser ainda maior, pois o grau de sensibilidade emocional costuma ser mais elevado.

Apoiar os tutores durante o processo de luto é uma parte essencial do atendimento veterinário compassivo. Algumas estratégias eficazes incluem utilizar uma linguagem clara, sensível e respeitosa ao comunicar más notícias ou discutir a eutanásia; reconhecer a importância do vínculo tutor-animal e validar a dor da perda; apresentar as opções de cuidados paliativos e eutanásia de forma clara e compassiva, explicando o processo detalhadamente são recomendaçõe do CFMV; oferecer um espaço tranquilo e privado para que os tutores possam se despedir de seus animais; e como um grande diferencial, realizar algo simples como por exemplo enviar um cartão de condolências personalizado e, se apropriado, entrar em contato alguns dias após a perda para verificar o bem-estar do tutor.

Mas percebo que algo também importante é saber com o impacto emocional do luto dentro da prórpria clínica veterinária, é fundamental que os profissionais da medicina veterinária, estagiários e todos da equipe de suporte priorizem o autocuidado. Para isso é muito importante reconhecer e Validar os Próprios Sentimentos, ou seja, permitir-se sentir tristeza e outras emoções associadas à perda do paciente; aprender a equilibrar o cuidado com os pacientes e tutores com a necessidade de proteger a própria saúde emocional; conversar com colegas de profissão e participar de grupos de apoio para profissionais veterinários é um grande diferencial; e também muito importante fomentar uma cultura de comunicação aberta e apoio mútuo dentro da equipe veterinária.

O luto é uma realidade inerente à prática da medicina veterinária, afetando profundamente tanto os tutores quanto os profissionais. Reconhecer a legitimidade da dor dos tutores e o impacto emocional na equipe é o primeiro passo para oferecer um atendimento compassivo e promover o bem-estar de todos os envolvidos. Ao implementar estratégias de suporte eficazes para os tutores e priorizar o autocuidado da equipe, a comunidade veterinária pode navegar pelas ondas da saudade com mais resiliência e empatia, fortalecendo o vínculo humano-animal em todas as fases da vida.

Referências Bibliográficas:

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