O conceito de neurônios-espelho — células nervosas que se ativam tanto durante a execução de uma ação quanto ao observar essa mesma ação sendo realizada por outrem — tem despertado crescente interesse na neurociência por seu possível papel na empatia e na cognição social. Descobertos inicialmente em macacos da espécie Macaca mulatta por Rizzolatti e colaboradores, esses neurônios foram identificados na área F5 do córtex pré-motor e, posteriormente, inferidos em humanos por meio de técnicas de neuroimagem funcional, como a ressonância magnética funcional (fMRI) (Kiełt et al., 2024).
A literatura revisada no artigo de Kiełt et al. (2024) destaca que os neurônios-espelho estariam implicados em aspectos cruciais da empatia, incluindo o reconhecimento emocional, a ressonância afetiva e a capacidade de adotar a perspectiva do outro. Evidências neurofuncionais, como a ativação do córtex insular anterior e do córtex cingulado anterior em estudos com estímulos de dor e nojo, sustentam a hipótese de que esses neurônios mediam respostas empáticas. Em especial, os estudos de Wicker et al. (2003) e Singer et al. (2004) apontam para uma sobreposição entre as áreas cerebrais ativadas durante a experiência e a observação da emoção, sugerindo uma base neural comum para o compartilhamento afetivo (Kiełt et al., 2024).
No entanto, essa associação não é consensual. Estudos críticos, como os de Danziger et al. (2009), mostraram que indivíduos com insensibilidade congênita à dor são capazes de apresentar respostas empáticas ao observar a dor alheia, mesmo sem nunca terem vivenciado essa sensação diretamente. Isso indica que a empatia pode ser mediada por mecanismos adicionais ou alternativos aos neurônios-espelho. Além disso, fatores sociais, como a percepção de justiça nos interlocutores — explorados por Singer et al. (2006) — modulam as respostas empáticas, sugerindo que variáveis contextuais e cognitivas desempenham papel relevante, relativizando o peso exclusivo do sistema espelho (Kiełt et al., 2024).
No âmbito clínico, destaca-se o interesse particular na associação entre disfunções no sistema de neurônios-espelho e o transtorno do espectro autista (TEA). Indivíduos com TEA frequentemente apresentam dificuldades na imitação, reconhecimento emocional e cognição social — funções que, teoricamente, seriam mediadas por esse sistema. Estudos como o de Dapretto et al. (2006) demonstraram hipoativação em regiões-chave do sistema de neurônios-espelho, como o giro frontal inferior, durante a observação de expressões faciais. Tal achado é frequentemente interpretado como evidência da chamada “teoria do espelho quebrado” para o autismo. Todavia, pesquisas de Hamilton et al. (2007) e Bird et al. (2007) apontam que essas dificuldades podem estar mais relacionadas à atenção, motivação ou ao processamento cognitivo de alto nível do que a uma falha funcional direta do sistema espelho (Kiełt et al., 2024).
Importantes desdobramentos terapêuticos emergem desses achados. Intervenções baseadas em imitação e observação de ações têm sido exploradas como estratégias promissoras para a reabilitação motora em pacientes pós-AVC e para o desenvolvimento de habilidades sociais em pessoas com TEA. Além disso, abordagens de treinamento empático demonstraram benefícios em populações com Parkinson, melhorando aspectos emocionais e cognitivos, provavelmente por meio da ativação de áreas ligadas à empatia como a ínsula anterior e o córtex cingulado (Kiełt et al., 2024).
É importante reconhecer, como destaca a própria revisão, que grande parte dos dados existentes baseia-se em correlações, e não em relações causais. A ativação simultânea de áreas cerebrais durante diferentes condições empáticas não permite, por si só, inferir a existência de um mesmo mecanismo subjacente. Além disso, limitações metodológicas inerentes às técnicas de neuroimagem, como a resolução espacial da fMRI e a sobreposição de regiões ativadas por funções diversas, exigem cautela na interpretação dos resultados.
Em síntese, o sistema de neurônios-espelho parece exercer um papel relevante — ainda que parcial — na mediação da empatia e da cognição social. Sua contribuição é mais evidente em processos automáticos de reconhecimento emocional e imitação, mas não é suficiente para explicar a complexidade das respostas empáticas humanas, as quais envolvem múltiplos sistemas e contextos. A compreensão mais refinada de sua atuação requer a integração de abordagens metodológicas mais precisas e teorias que contemplem a interação entre fatores neurobiológicos, cognitivos e sociais.
Referência:
KIEŁT, Weronika et al. The role of mirror neurons in empathy, with a focus on their relevance in autism spectrum disorder and other clinical implications. Journal of Education, Health and Sport, v. 69, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.12775/JEHS.2024.69.55758. Acesso em: 18 jun. 2025.

