Início ColunaNeurociências Validade psicométrica do modelo bidimensional do TDAH em adultos emergentes e mais velhos: Implicações diagnósticas e teóricas

Validade psicométrica do modelo bidimensional do TDAH em adultos emergentes e mais velhos: Implicações diagnósticas e teóricas

A versão mais recente do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5) manteve os mesmos 18 sintomas diagnósticos das edições anteriores, organizando-os em dois grandes domínios: desatenção (IA) e hiperatividade/impulsividade (HY/IM).

por Redação CPAH

O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é uma condição do neurodesenvolvimento que, embora tradicionalmente associada à infância, permanece clinicamente relevante na vida adulta. A versão mais recente do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5) manteve os mesmos 18 sintomas diagnósticos das edições anteriores, organizando-os em dois grandes domínios: desatenção (IA) e hiperatividade/impulsividade (HY/IM). Contudo, permanece uma lacuna substancial na literatura sobre a validade estrutural e a invariância de medida desse modelo bidimensional, especialmente quando se consideram as diferentes fases da vida adulta — mais notadamente, a chamada “adultidade emergente” (18–25 anos), uma fase de transição marcada por desafios cognitivos, afetivos e sociais específicos.

Nesse contexto, o estudo conduzido por Gomez, Watson e Houghton (2025) oferece uma importante contribuição empírica ao avaliar a aplicabilidade e a robustez psicométrica do modelo bidimensional de sintomas do TDAH em adultos emergentes e mais velhos (26–65 anos). Utilizando a Current Symptom Scale (CSS) e análises fatoriais confirmatórias (CFA), os autores testaram tanto a estrutura unifatorial quanto a bifatorial dos sintomas, bem como a invariância de medida entre os dois grupos etários. Os resultados mostraram que, embora ambas as estruturas apresentem ajuste marginalmente aceitável, o modelo de dois fatores (IA e HY/IM) demonstrou melhor ajuste em ambos os grupos.

A análise de invariância de medida revelou forte evidência para invariância completa — incluindo os níveis configuracional, métrico, escalar e de variância residual. Isso indica que os adultos emergentes e os adultos mais velhos compreendem e respondem aos itens da escala de forma equivalente, o que permite comparações diretas dos escores observados entre os grupos. Essa constatação é particularmente relevante, pois reforça a validade do uso do mesmo instrumento diagnóstico ao longo de distintas fases da vida adulta (Gomez et al., 2025).

No entanto, foi identificado que os escores latentes médios foram significativamente mais elevados no grupo de adultos emergentes, tanto para sintomas de desatenção quanto para hiperatividade/impulsividade. Esse achado sugere que, embora a estrutura dos sintomas seja invariável, a intensidade com que eles se manifestam difere entre os grupos, possivelmente em razão das exigências de autorregulação mais intensas durante a adultidade emergente — fase em que o córtex pré-frontal ainda se encontra em processo de maturação, o que pode exacerbar déficits executivos, como controle inibitório e organização comportamental.

Esse descompasso entre as demandas ambientais e a maturidade neurocognitiva pode levar não apenas a um aumento real dos sintomas, mas também a uma percepção subjetiva de maior severidade, refletida nos escores auto-relatados. Assim, a maior prevalência de comportamentos impulsivos e sintomas externalizantes nessa faixa etária, amplamente relatada na literatura, encontra respaldo empírico neste estudo. Um aspecto particularmente interessante é que, ao contrário de estudos anteriores que sugeriram uma estrutura unifatorial dos sintomas em estudantes universitários (Flory et al., 2021), este estudo fornece suporte mais robusto para a estrutura bidimensional do DSM-5 mesmo nesse subgrupo etário, fortalecendo sua aplicabilidade clínica.

A confiabilidade dos fatores foi considerada satisfatória (ω > 0.70), e a validade discriminante foi considerada adequada, apesar da correlação relativamente alta entre os fatores IA e HY/IM. Tal correlação, embora esperada dada a natureza comórbida dos domínios do TDAH, não compromete a distinção conceitual entre os mesmos.

Do ponto de vista clínico e teórico, os achados do estudo são de extrema relevância. Eles sugerem que o modelo DSM-5 de dois fatores não apenas é aplicável, como também oferece validade diagnóstica consistente para a avaliação do TDAH em adultos emergentes — um grupo frequentemente negligenciado nos estudos populacionais e clínicos. Além disso, a demonstração de invariância de medida reforça a utilidade do modelo em contextos comparativos e longitudinais, como estudos de coorte ou avaliações pré- e pós-intervenção.

Em suma, este estudo preenche uma lacuna crítica na literatura ao validar psicometricamente o modelo de sintomas do DSM-5 para o TDAH em diferentes fases da vida adulta, com destaque para a população emergente. Ainda que limitações metodológicas devam ser consideradas — como o uso de amostra comunitária sem diagnóstico clínico confirmado —, os resultados oferecem uma base sólida para pesquisas futuras e para o aprimoramento de protocolos diagnósticos mais sensíveis às nuances do desenvolvimento adulto.

Referência:
GOMEZ, R.; WATSON, S.; HOUGHTON, S. Psychometric properties of the DSM-5 ADHD two-factor model in emerging and older adults. Academia Mental Health and Well-Being, v. 2, 2025. DOI: https://doi.org/10.20935/MHealthWellB7481.

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