Por: Dr. Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues, pós-PhD em Neurociências, presidente da ISI Society e coordenador da Intertel Brasil
A definição de superdotação e a relevância do quociente de inteligência (QI) como medida central das habilidades cognitivas têm sido alvo de debates científicos e educacionais. Enquanto a teoria das múltiplas inteligências, proposta por Howard Gardner, trouxe uma nova perspectiva sobre as diferentes habilidades humanas, o QI continua a ser a métrica mais robusta e objetivamente validada para identificar altas capacidades intelectuais.
A teoria das múltiplas inteligências argumenta que existem diversas modalidades de inteligência, como a linguística, lógico-matemática, espacial, entre outras (GARDNER, 1983). No entanto, essa abordagem, embora popular no meio educacional, carece de validação científica rigorosa (WILLINGHAM, 2004). Estudos recentes indicam que o QI atua como precursor no desenvolvimento dessas diferentes habilidades, sendo a conexão eficiente entre regiões cerebrais específicas o que permite a especialização em determinadas áreas (HAIER et al., 2009).
A plasticidade cerebral é um fator determinante nesse processo. Através da tomada de decisão e do raciocínio lógico, funções associadas ao córtex pré-frontal, o cérebro desenvolve habilidades específicas (JOHNSON et al., 2014). Assim, o QI pode ser compreendido não apenas como uma medida isolada, mas como a base para o desenvolvimento das inteligências específicas, reforçando a ideia de que a inteligência é um constructo único com diferentes manifestações práticas.
A definição de superdotação com base em um QI de 130 ou superior tem fundamentos estatísticos sólidos. Os testes de QI seguem uma distribuição normal, onde a média é 100 e o desvio padrão é 15. Uma pontuação de 130 representa dois desvios padrão acima da média, posicionando o indivíduo no percentil 98 da população (MACKINTOSH, 2011). Esse critério foi estabelecido para fornecer uma métrica objetiva na identificação de indivíduos com altas habilidades intelectuais, diferentemente de abordagens holísticas que podem ser influenciadas por variáveis subjetivas, como comportamentos e características de personalidade.
É crucial destacar que comportamentos que parecem sugerir superdotação podem, na verdade, ser decorrentes de fatores culturais, educacionais ou até mesmo de traços de personalidade (RINDERMAN et al., 2020). A subjetividade na avaliação comportamental pode levar a diagnósticos equivocados, seja pela superestimação de habilidades cognitivas em indivíduos não superdotados ou pela subestimação em indivíduos com habilidades não facilmente observáveis. Por essa razão, a aplicação de testes padronizados de QI continua sendo o método mais confiável para avaliar a superdotação.
Outra questão importante é a diferença entre escores de QI, como 135 e 145, e o impacto dessas variações no comportamento e nas habilidades cognitivas. Pesquisas sugerem que indivíduos com escores mais altos tendem a apresentar maior capacidade de processamento de informações complexas, maior facilidade em resolver problemas abstratos e uma velocidade superior na aquisição de novos conhecimentos (DEARY et al., 2010). Essas diferenças não são meramente quantitativas, mas refletem variações qualitativas na maneira como esses indivíduos percebem e interagem com o mundo.
Em suma, embora a teoria das múltiplas inteligências tenha contribuído para uma visão mais ampla das habilidades humanas, evidências científicas indicam que o QI desempenha um papel central como precursor no desenvolvimento dessas habilidades. A definição de superdotação baseada em um critério numérico, como o QI de 130, oferece uma abordagem objetiva e padronizada, fundamental para evitar vieses e garantir o reconhecimento adequado de indivíduos com altas capacidades intelectuais.
Referências
DEARY, I. J.; PENKE, L.; JOHNSON, W. The neuroscience of human intelligence differences. Nature Reviews Neuroscience, v. 11, n. 3, p. 201-211, 2010.
GARDNER, H. Frames of Mind: The Theory of Multiple Intelligences. New York: Basic Books, 1983.
HAIER, R. J.; REX, J. E.; SIEGEL, B. V.; MACLACHLAN, A.; SODERLING, E.; LOTTE, C.; BUCHSBAUM, M. S. Cortical glucose metabolic rate correlates of abstract reasoning and attention studied with positron emission tomography. Intelligence, v. 37, n. 2, p. 136-142, 2009.
JOHNSON, M. H.; JONES, E. J.; GLIGA, T. Brain adaptation and alternative developmental trajectories. Development and Psychopathology, v. 27, n. 2, p. 425-442, 2014.
MACKINTOSH, N. J. IQ and Human Intelligence. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2011.
RINDERMAN, H.; BECKER, D.; CEBOLLERO, A. Intelligence, personality, and interests: Relationships within and between these domains. Personality and Individual Differences, v. 160, p. 109926, 2020.
WILLINGHAM, D. T. Reframing the mind. Education Next, v. 4, n. 3, p. 19-24, 2004.