Início ColunaBiologia Relatório Técnico: Vespa Asiática (Vespa velutina) em Portugal – Biologia, Impactos e Estratégias de Gestão

Relatório Técnico: Vespa Asiática (Vespa velutina) em Portugal – Biologia, Impactos e Estratégias de Gestão

Este relatório, elaborado para o Centro de Pesquisas Biológicas, apresenta uma análise técnica da biologia da V. velutina, os seus impactos ecológicos e socioeconómicos, os riscos associados e estratégias de gestão baseadas em princípios biológicos.

por Redação CPAH

Introdução
A vespa asiática (Vespa velutina), espécie invasora da família Vespidae, originária do Sudeste Asiático, estabeleceu-se em Portugal por volta de 2011, provavelmente introduzida acidentalmente através de mercadorias marítimas, como madeira descarregada no porto de Viana do Castelo. Desde então, a sua dispersão abrangeu quase todo o território nacional, exceto algumas áreas do Baixo Alentejo, com registos recentes no Algarve e em São Miguel, Açores. Este relatório, elaborado para o Centro de Pesquisas Biológicas, apresenta uma análise técnica da biologia da V. velutina, os seus impactos ecológicos e socioeconómicos, os riscos associados e estratégias de gestão baseadas em princípios biológicos.

Biologia da Vespa velutina
A Vespa velutina é um himenóptero social com ciclo de vida anual. Na primavera, rainhas fertilizadas emergem da hibernação para fundar colónias, construindo ninhos esféricos de celulose, geralmente em árvores a 5-10 metros de altura, com dimensões que podem atingir 1 metro de altura e 80 cm de diâmetro, caracterizados por uma entrada lateral. Cada colónia alberga entre 2.000 e 17.000 indivíduos, incluindo operárias, machos e novas rainhas, produzidas no outono para perpetuar o ciclo.

Morfologicamente, a V. velutina distingue-se da vespa europeia (Vespa crabro) pelo corpo predominantemente preto, com uma faixa amarela fina no quarto segmento abdominal e um segmento alaranjado. As patas apresentam extremidades amarelas, e a cabeça é preta com face laranja-amarelada. As operárias medem 2,5-3,5 cm, enquanto as rainhas podem atingir 4 cm. A espécie é diurna, com maior atividade ao amanhecer e entardecer, exibindo comportamento predatório agressivo, especialmente contra abelhas melíferas (Apis mellifera).

A dieta inclui principalmente insetos, com preferência por abelhas, mas também néctar, frutos maduros e outros artrópodes, como dípteros e lepidópteros. Uma colónia pode consumir até 1 kg de presas por dia, impactando diretamente a densidade de polinizadores e a produção apícola.

Impactos Ecológicos

1. Biodiversidade
A Vespa velutina exerce pressão predatória significativa sobre polinizadores, especialmente a Apis mellifera, essencial para a polinização de culturas agrícolas e plantas silvestres. Em áreas de alta densidade de ninhos, até 30% das colmeias podem sofrer perdas anuais, comprometendo a produção de mel e a polinização de ecossistemas. A predação de outros insetos, como sírfidos e lepidópteros, reduz a diversidade funcional de polinizadores, afetando a reprodução de plantas entomófilas, incluindo espécies endémicas de regiões como a Serra d’Arga.

2. Fauna e Flora
A diminuição de polinizadores compromete a regeneração de comunidades vegetais, com efeitos em cascata sobre herbívoros e outros níveis tróficos. O consumo de néctar e frutos pela V. velutina reduz a disponibilidade de recursos para espécies nativas, como aves frugívoras, e causa danos em pomares e vinhas, gerando impactos socioeconómicos em regiões agrícolas, como o Douro e o Minho.

3. Riscos para a Saúde Pública
A Vespa velutina apresenta comportamento defensivo intenso quando os ninhos são perturbados, com ataques em enxame que podem envolver centenas de indivíduos. O veneno, contendo fosfolipases e hialuronidases, causa dor intensa e, em casos raros, reações anafiláticas graves. A proximidade de ninhos a áreas urbanas aumenta o risco de incidentes, exigindo monitorização contínua.

Estratégias de Gestão
A gestão da Vespa velutina requer abordagens integradas, baseadas no seu ciclo biológico e ecologia. O “Plano de Ação para a Vigilância e Controlo da Vespa velutina em Portugal”, coordenado pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) e pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), foca-se na mitigação de impactos, erradicação de novos focos e prevenção da dispersão.

1. Monitorização e Vigilância
Deteção de Ninhos: A identificação precoce é crucial. A plataforma STOPvespa (https://stopvespa.icnf.pt) facilita o registo de avistamentos por cidadãos, com base em fotografias e coordenadas geográficas. Áreas com alta densidade de colmeias e ecossistemas sensíveis devem ser priorizadas.

Estudos Genéticos: Análises genéticas populacionais podem rastrear a origem e a dispersão da espécie, orientando estratégias de contenção.

2. Controlo Populacional
Remoção de Ninhos: A destruição deve ser realizada por equipas especializadas, utilizando inseticidas seletivos (e.g., permetrina) ou captura mecânica, preferencialmente à noite, quando a atividade das vespas é reduzida. Intervenções inadequadas podem estimular a formação de novos ninhos.

Captura de Rainhas: Armadilhas seletivas com feromonas ou iscos proteicos (e.g., extratos de peixe) são eficazes na primavera, visando rainhas fundadoras antes da formação de colónias. Armadilhas não seletivas, como misturas de cerveja e açúcar, devem ser evitadas devido ao impacto em insetos benéficos.

Biocontrolo: Investigações exploram predadores naturais, como o bútio-vespeiro (Pernis apivorus), e plantas carnívoras (Sarracenia purpurea), mas a seletividade destes métodos requer validação científica.

3. Prevenção
Sensibilização Comunitária: Campanhas educativas devem esclarecer sobre a identificação da espécie, os riscos de manipulação de ninhos e a importância de reportar avistamentos.

Proteção de Colmeias: Redes de malha fina e entradas reduzidas em colmeias minimizam ataques. Iscos desviantes (e.g., carne crua) posicionados a 50-100 metros das colmeias são eficazes.

Gestão de Habitat: A redução de recursos alimentares, como frutos maduros expostos, pode limitar a atratividade de áreas para a espécie.

Conclusão
A Vespa velutina constitui uma ameaça significativa à biodiversidade, à apicultura e à saúde pública em Portugal. A sua gestão exige estratégias integradas, combinando monitorização, controlo populacional e prevenção. Pesquisas futuras devem focar-se no desenvolvimento de métodos de biocontrolo seletivos e na expansão de redes de vigilância comunitária. A colaboração entre centros de investigação, autoridades e comunidades é essencial para mitigar os impactos ecológicos e socioeconómicos, protegendo os ecossistemas e a segurança pública.

Alguns destaques

Deixe um comentário

13 + 3 =

Translate »