Início ColunaMedicina Um Relógio Epigenético Baseado em Sangue para Capacidade Intrínseca: Um Marco na Avaliação Funcional e Previsão de Mortalidade

Um Relógio Epigenético Baseado em Sangue para Capacidade Intrínseca: Um Marco na Avaliação Funcional e Previsão de Mortalidade

Diferentemente de abordagens centradas na doença, a CI permite uma visão holística e funcional do envelhecimento, tornando-se uma métrica fundamental para estratégias de envelhecimento saudável.

por Redação CPAH

O conceito de capacidade intrínseca (CI), proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), representa a soma das reservas físicas e mentais de um indivíduo. Diferentemente de abordagens centradas na doença, a CI permite uma visão holística e funcional do envelhecimento, tornando-se uma métrica fundamental para estratégias de envelhecimento saudável. No entanto, sua aplicação clínica enfrenta obstáculos práticos, como a necessidade de avaliações multidimensionais e equipamentos específicos. Diante disso, o desenvolvimento de biomarcadores moleculares para CI é uma prioridade emergente.

Nesse contexto, Fuentealba et al. (2025) propuseram um relógio epigenético baseado em metilação de DNA (DNAm) como ferramenta preditora da CI, integrando dados da coorte INSPIRE-T com validação na Framingham Heart Study (FHS). O modelo, denominado IC clock, foi treinado com base em cinco domínios da CI: cognição, locomoção, sensorial, psicológico e vitalidade. A vitalidade, aqui, foi mensurada objetivamente por meio da força de preensão manual, reconhecida como marcador robusto de reserva fisiológica e envelhecimento saudável.

O modelo final incluiu 91 sítios CpG e apresentou correlação significativa com a CI clínica (rₛ = 0,61; P < 10⁻⁹⁴). Notavelmente, a predição de CI por DNAm mostrou-se altamente correlacionada negativamente com a idade cronológica (rₛ = -0,92), embora os sítios CpG com maior peso no modelo não estivessem fortemente associados à idade, sugerindo que o IC clock captura aspectos biológicos do envelhecimento distintos dos relógios epigenéticos tradicionais.

Comparado aos modelos epigenéticos de primeira e segunda geração, como Horvath, Hannum, PhenoAge e GrimAge, o IC clock demonstrou desempenho superior na previsão de mortalidade por todas as causas (HR = 1,38; P = 1,67 × 10⁻²⁴), bem como em mortalidade cardiovascular e insuficiência cardíaca. Além disso, indivíduos com altos níveis de CI epigenética viveram, em média, 5,5 anos a mais do que aqueles com baixos níveis, mesmo após ajuste por idade e sexo.

Do ponto de vista funcional, o DNAm IC correlacionou-se positivamente com marcadores de saúde física, densidade mineral óssea, desempenho pulmonar e avaliações subjetivas de saúde. Por outro lado, níveis reduzidos de DNAm IC estavam associados a marcadores inflamatórios sistêmicos (como IL-6 e proteína C-reativa) e neurodegenerativos (como a proteína tau), evidenciando uma relação entre CI e processos de imunossenescência e inflamação crônica.

A análise transcriptômica revelou uma assinatura gênica de 578 genes diferencialmente expressos associada ao DNAm IC. Dentre eles, destaca-se CD28, cuja expressão elevada correlacionou-se com maior IC e sugere preservação da função de células T. Por outro lado, genes como CDK14/PFTK1, associados a inflamação e doenças neurodegenerativas, foram expressos em maior quantidade em indivíduos com baixa IC epigenética. Esse perfil reforça a associação entre CI e integridade do sistema imunológico, especialmente no contexto do envelhecimento.

Curiosamente, o estudo também identificou correlações entre DNAm IC e fatores de estilo de vida. A adesão às diretrizes de ingestão reduzida de açúcar e o consumo de ácidos graxos ômega-3 de origem marinha (como DHA e EPA) foram associados a maiores níveis de CI epigenética, sinalizando o potencial de intervenções dietéticas na manutenção da função fisiológica ao longo da vida.

Como neurocientista, chamou minha atenção a associação entre domínios específicos da CI e processos moleculares distintos: por exemplo, a vitalidade com vias mitocondriais, o domínio psicológico com reparo de DNA, e o domínio sensorial com proteostase. Esses achados reforçam a ideia de que o declínio funcional com a idade é multifatorial e pode ser rastreado com precisão por biomarcadores epigenéticos, oferecendo uma nova lente para a medicina personalizada do envelhecimento.

Em suma, o IC clock representa uma ferramenta promissora, não invasiva e escalável para quantificar a capacidade funcional de forma molecular. Embora sejam necessárias validações adicionais em contextos clínicos diversos, este trabalho inaugura uma nova era na avaliação da saúde durante o envelhecimento, integrando genômica, epigenética, imunologia e epidemiologia em um marcador único de função global.

Referência:
FUENTEALBA, Matías et al. A blood-based epigenetic clock for intrinsic capacity predicts mortality and is associated with clinical, immunological and lifestyle factors. Nature Aging, [s.l.], 2025. DOI: https://doi.org/10.1038/s43587-025-00883-5. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s43587-025-00883-5. Acesso em: 18 jun. 2025.

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