O uso de células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs) representa uma das fronteiras mais promissoras da neurociência translacional contemporânea. Derivadas de células somáticas, como fibroblastos da pele, as iPSCs são reprogramadas geneticamente para um estado pluripotente, adquirindo a capacidade de se diferenciar em múltiplos tipos celulares, inclusive neuronais. Essa tecnologia permite a modelagem precisa de transtornos neuropsiquiátricos, como a esquizofrenia e o transtorno bipolar, dentro de um contexto genético específico do paciente, o que viabiliza uma nova geração de estudos biomoleculares e farmacológicos voltados à medicina personalizada (Rodrigues et al., 2024).
A compreensão da etiopatogenia dos transtornos mentais tem sido profundamente beneficiada pela aplicação das iPSCs. Entre os mecanismos fisiopatológicos elucidados com auxílio dessa tecnologia, destaca-se a oligodendrogênese — processo de diferenciação de oligodendrócitos, células responsáveis pela mielinização dos axônios. Disfunções nesse processo têm sido associadas a comprometimentos cognitivos e sociais, frequentemente observados em quadros psiquiátricos graves. A presença de alterações na sinalização intracelular de cálcio, essencial para a proliferação e diferenciação de progenitores neurais e gliais, também se mostra relevante. Esses fenômenos têm sido recorrentemente descritos como alvos terapêuticos potenciais, dada sua contribuição para a plasticidade sináptica e o funcionamento global dos circuitos neurais (Rodrigues et al., 2024).
Além de sua aplicabilidade na elucidação dos mecanismos celulares e moleculares dos transtornos mentais, as iPSCs possibilitam a criação de plataformas in vitro para a triagem de compostos farmacológicos, reduzindo a dependência de modelos animais e aumentando a fidelidade translacional. Estudos que utilizam linhagens celulares derivadas de pacientes com diferentes perfis genéticos e históricos clínicos permitem testar a eficácia e segurança de fármacos de forma personalizada, antecipando respostas individuais ao tratamento. No entanto, esse potencial ainda esbarra em desafios técnicos consideráveis, como a variabilidade fenotípica entre linhagens de iPSCs, a dificuldade em replicar o microambiente neural in vivo e a complexidade da maturação funcional dos neurônios em cultura (Rodrigues et al., 2024).
Em termos clínicos, a aplicação terapêutica direta das iPSCs ainda enfrenta barreiras críticas. A possibilidade de tumorigenicidade associada a células não totalmente diferenciadas, os riscos imunológicos e as dificuldades logísticas relativas ao transporte, armazenamento e rastreabilidade das células são questões ainda não completamente resolvidas. Ademais, as terapias celulares exigem protocolos padronizados e rigorosos para garantir segurança e eficácia, sobretudo em ensaios clínicos destinados a populações vulneráveis, como pacientes psiquiátricos graves. A superação desses obstáculos depende de um esforço coordenado entre neurocientistas, biólogos celulares, psiquiatras e engenheiros biomédicos (Rodrigues et al., 2024).
Em síntese, a aplicação das iPSCs no campo dos transtornos mentais representa um marco paradigmático na interseção entre genética, biologia celular e psiquiatria. A possibilidade de estudar, em laboratório, a biologia do cérebro humano em modelos personalizados abre uma janela inédita para a compreensão e intervenção em doenças psiquiátricas. Ainda que haja um longo caminho a ser percorrido até a plena integração dessa tecnologia na prática clínica, os avanços já alcançados indicam um futuro no qual a terapêutica personalizada e baseada em mecanismos possa se tornar uma realidade concreta.
Referência:
RODRIGUES, Fabiano de Abreu Agrela; CARVALHO, Luiz Felipe; NASCIMENTO, Flávio Henrique dos Santos; KOSTIC, Velibor. Tratamento de transtornos mentais com células-tronco: uma área promissora em evolução. Cognitio, v. 7, n. 1, p. 268-276, 2024. DOI: 10.38087/2595.8801.427.