O artigo de Cook, Hammett e Larsson (2016) oferece uma contribuição significativa para a compreensão da relação entre processos neuroquímicos e desempenho cognitivo, com foco específico na associação entre a concentração cortical de GABA (ácido gama-aminobutírico), a inteligência visuo-espacial e a supressão perceptual em tarefas visuais. Trata-se de uma investigação que combina métodos de neuroimagem espectroscópica, testes psicométricos e paradigmas psicofísicos para explorar uma hipótese de longa data: que a eficiência cognitiva está relacionada à capacidade de suprimir informações irrelevantes no processamento sensorial.
A hipótese central do estudo baseia-se na suposição de que mecanismos inibitórios mediados por GABA desempenham um papel fundamental na filtragem de estímulos visuais desnecessários, contribuindo assim para uma performance cognitiva mais eficiente. Para testar essa hipótese, os autores mensuraram os níveis de GABA no córtex visual primário de indivíduos saudáveis utilizando espectroscopia de ressonância magnética (MRS), e os compararam com os escores de um subteste de raciocínio matricial (WASI) e com índices de supressão visual em estímulos de primeira e segunda ordem.
Os resultados revelaram correlações robustas entre os níveis de GABA e os três domínios investigados: inteligência visuo-espacial (r = 0,83; p = 0,0054), magnitude da supressão visual de primeira e segunda ordem (r = 0,88; p = 0,0017), e entre supressão visual e inteligência (r = 0,87; p = 0,0021). Esses achados indicam que concentrações mais elevadas de GABA no córtex visual estão associadas a melhor desempenho em tarefas cognitivas que exigem raciocínio espacial, bem como a uma maior capacidade de suprimir estímulos visuais redundantes.
É interessante notar que, embora os índices de supressão de primeira e segunda ordem não tenham sido significativamente correlacionados entre si, ambos mostraram forte associação com GABA e com a inteligência, sugerindo que a mediação inibitória não depende exclusivamente de um único tipo de estímulo, mas reflete um mecanismo de controle mais geral no processamento visual. Essa constatação é coerente com modelos de redes estabilizadas por inibição (ISN – inhibition-stabilized networks), como o proposto por Ozeki et al., em que a inibição atua não diretamente pela supressão do estímulo, mas pela estabilização das respostas excitatórias do sistema, permitindo uma filtragem mais precisa das informações relevantes.
Do ponto de vista metodológico, o estudo adota estratégias consistentes com a literatura em neuroimagem, utilizando um protocolo padronizado de aquisição e análise do sinal de GABA, que inclui a subtração de espectros editados e controle de variáveis como a presença de líquido cefalorraquidiano. Além disso, o teste de inteligência escolhido — a subescala de raciocínio matricial do WASI — é particularmente sensível a habilidades visuo-espaciais, o que torna os resultados ainda mais específicos para o domínio investigado.
Em termos de implicações, os achados sustentam a ideia de que o GABA pode servir como um marcador neuroquímico da eficiência cognitiva, ao modular o sinal-perceptual e facilitar a supressão de ruído sensorial. Esse efeito pode ter relevância tanto para o entendimento de variações individuais em inteligência quanto para a compreensão de déficits perceptivo-cognitivos em transtornos como a esquizofrenia, nos quais níveis reduzidos de GABA já foram documentados. Embora o estudo se limite a um pequeno grupo de adultos jovens com alta escolaridade, suas conclusões abrem caminho para investigações mais amplas que considerem diferentes regiões corticais, domínios cognitivos e populações clínicas.
Em síntese, o artigo de Cook e colaboradores fornece evidência empírica robusta para um elo funcional entre os níveis de GABA no córtex visual, a supressão perceptual e a inteligência visuo-espacial. Tal conexão não apenas reforça teorias que postulam a inteligência como uma função integradora de controle inibitório, como também sugere uma via neurobiológica específica — o sistema GABAérgico — que pode ser alvo de futuras intervenções e estudos translacionais.
Referência:
COOK, Emily; HAMMETT, Stephen T.; LARSSON, Jonas. GABA predicts visual intelligence. Neuroscience Letters, v. 632, p. 50–54, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.neulet.2016.07.053. Acesso em: 17 jun. 2025.