Início ColunaNeurociências A Atividade da Rede de Neurônios Espelho na Percepção da Linguagem: Evidências Eletrofisiológicas da Correlação com Inteligência e Empatia

A Atividade da Rede de Neurônios Espelho na Percepção da Linguagem: Evidências Eletrofisiológicas da Correlação com Inteligência e Empatia

Com uma abordagem experimental robusta baseada em eletroencefalografia (EEG), o estudo explora como frases com diferentes níveis de coerência semântica modulam ritmos cerebrais associados à ZSM, revelando uma intrincada interação entre aspectos linguísticos, motores e socioemocionais do cérebro.

por Redação CPAH

A investigação conduzida por Portugalskaya, Levenchik e Pavlenko (2021) lança luz sobre a complexa relação entre a atividade da rede de neurônios espelho (ZSM, do russo “зеркальная система мозга”), os processos de percepção da linguagem, e traços cognitivos e afetivos como inteligência e empatia. Com uma abordagem experimental robusta baseada em eletroencefalografia (EEG), o estudo explora como frases com diferentes níveis de coerência semântica modulam ritmos cerebrais associados à ZSM, revelando uma intrincada interação entre aspectos linguísticos, motores e socioemocionais do cérebro.

A ZSM é composta por redes neuronais que se ativam tanto durante a execução de ações quanto na observação ou imaginação dessas ações. Tradicionalmente associada à cognição social — especialmente à empatia, imitação e aprendizado — essa rede também parece estar implicada na percepção e compreensão da linguagem, sobretudo da linguagem que descreve ações motoras. A hipótese de que a evolução da linguagem humana se beneficiou da reutilização de circuitos motores, mediados por neurônios espelho, ganha suporte nos achados desta pesquisa.

Utilizando EEG com análise espectral (incluindo transformadas de wavelet), os autores registraram a atividade cortical de 25 adultos saudáveis enquanto estes ouviam fragmentos de poemas com frases coerentes (“Eu levanto as mãos e levanto a cabeça”) e incoerentes (“Eu corro ao redor das mãos e corro ao redor da cabeça”). Foi observada uma dessincronização significativa do ritmo mu (9,7–12,0 Hz) — um marcador clássico da ativação da ZSM — nas regiões centrais e temporais do neocórtex durante a percepção da frase coerente, especialmente 0,3 a 0,5 segundos após o término da expressão-chave. Em contraste, frases absurdas induziram sincronização desses ritmos, sugerindo envolvimento de redes de inibição cognitiva e maior carga de processamento semântico.

De maneira particularmente interessante, o grau de dessincronização do ritmo mu — e, portanto, a suposta ativação da ZSM — correlacionou-se positivamente com o nível de inteligência verbal. Indivíduos com maior escore no teste de Wechsler apresentaram maior redução na amplitude do ritmo mu ao ouvir a frase coerente. Este achado sugere que o processamento eficiente da linguagem de ação pode recrutar mais intensamente circuitos motores em indivíduos com maior capacidade cognitiva linguística.

Por outro lado, a resposta a frases absurdas foi mais modulada pelos níveis de empatia. Participantes com escores elevados em escalas de empatia (especialmente nos domínios emocional e de identificação afetiva) apresentaram menor sincronização do ritmo mu ao ouvir frases incoerentes, o que pode indicar uma resposta neural mais eficiente e rápida ao conteúdo incongruente. Assim, o estudo fornece suporte à ideia de que a empatia — enquanto componente do “cérebro social” — também influencia a forma como interpretamos a linguagem, mesmo quando esta viola expectativas semânticas.

É fundamental destacar que os autores não assumem que a dessincronização do ritmo mu reflita exclusivamente a ativação de neurônios espelho, mas sim de redes motoras mais amplas, com possível sobreposição funcional. A complexidade das conexões bidirecionais entre córtex auditivo e motor, bem como mecanismos de integração sensório-motora, pode contribuir para os efeitos observados. Ainda assim, os dados corroboram a hipótese funcional de que a ZSM participa do mapeamento semântico-motor da linguagem, particularmente em contextos de ação.

Esses achados nos convidam a reconsiderar os limites tradicionais entre cognição linguística, motora e social, enfatizando a interdependência de redes corticais na experiência comunicativa humana. Como neurocientista, noto que tais resultados reforçam uma tendência observada em diversos estudos recentes: a linguagem, longe de ser um processo exclusivamente simbólico ou fonológico, envolve simulações mentais ancoradas em sistemas motores e afetivos. Este paradigma encoraja abordagens integrativas para compreender os mecanismos cerebrais do significado, com potenciais aplicações clínicas em distúrbios da linguagem e empatia, como no espectro autista.

Referência:
PORTUGAL’SKAIA, A. A.; LEVENCHIK, G. Y.; PAVLENKO, V. B. Atividade da rede de neurônios espelho do cérebro durante a percepção da fala e sua relação com o nível de inteligência e empatia. Uchyonye Zapiski Krymskogo Federal’nogo Universiteta imeni V. I. Vernadskogo. Biologia. Khimia, v. 7, n. 1, p. 156–168, 2021. DOI: 10.37279/2413-1725-2021-7-1-156-168.

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