Início ColunaNeurociências Trypofobia como Fenômeno Psicofisiológico: Evidências de Hiperexcitabilidade Cortical e Disgusto por Contaminação

Trypofobia como Fenômeno Psicofisiológico: Evidências de Hiperexcitabilidade Cortical e Disgusto por Contaminação

No estudo conduzido por Le, Cole e Wilkins (2020), observam-se contribuições valiosas à caracterização da trypofobia como fenômeno neurofisiológico mensurável, para além de sua aparência como simples idiossincrasia visual.

por Redação CPAH

A trypofobia — aversão intensa a padrões de pequenos buracos agrupados — tem emergido como uma condição de interesse crescente na interface entre neurociência, psicologia e fisiologia. Apesar de não constar formalmente no DSM-5, sua prevalência e relatos de morbidade significativa justificam um escrutínio científico mais detalhado. No estudo conduzido por Le, Cole e Wilkins (2020), observam-se contribuições valiosas à caracterização da trypofobia como fenômeno neurofisiológico mensurável, para além de sua aparência como simples idiossincrasia visual.

Utilizando fotopletismografia (PPG) e espectroscopia funcional no infravermelho próximo (NIRS), os autores demonstraram que imagens trypofóbicas são capazes de induzir respostas fisiológicas mensuráveis — especificamente, aumento na frequência cardíaca (HR) e na variabilidade da frequência cardíaca (HRV) —, mas apenas entre indivíduos que pontuam alto no Questionário de Trypofobia (TQ). Essa seletividade reforça a validade do instrumento diagnóstico e aponta para uma resposta emocional específica desencadeada por tais estímulos (Le, Cole & Wilkins, 2020).

É notável que tanto a frequência cardíaca quanto sua variabilidade aumentaram significativamente em resposta às imagens trypofóbicas apenas no grupo com alta sensibilidade à trypofobia. Isso indica a ativação simultânea de sistemas autonômicos simpático e parassimpático, padrão fisiológico tipicamente associado ao disgusto por contaminação. Tal padrão difere das respostas emocionais observadas em medo ou raiva, nas quais normalmente há redução da variabilidade cardíaca (Kreibig, 2010). Assim, os dados sugerem que o tipo de emoção subjacente à trypofobia é mais próximo do nojo do que do medo — uma interpretação coerente com achados anteriores que associam a trypofobia a estímulos visuais que remetem a doenças infecciosas (Kupfer & Le, 2017).

Complementando as medidas autonômicas, os autores utilizaram NIRS para investigar a resposta hemodinâmica cortical. Observou-se que indivíduos trypofóbicos exibiram uma resposta significativamente maior em regiões occipitais do córtex cerebral ao visualizar estímulos trypofóbicos, quando comparados tanto a imagens neutras quanto ao grupo controle. Essa resposta aumentada em áreas visuais é compatível com a hipótese de hiperexcitabilidade cortical, fenômeno previamente implicado em condições como fotofobia e enxaqueca (Wilkins, 2015). A dissociação entre as respostas autonômicas e hemodinâmicas reforça a noção de que essas dimensões são parcialmente independentes: o desconforto visual e a excitação emocional parecem se sobrepor, mas não se confundem.

Ao discutir os mecanismos envolvidos, os autores argumentam que a trypofobia pode ser parcialmente explicada pela presença de características visuais que ativam padrões de resposta cortical ineficientes, como a concentração de energia espectral em frequências espaciais médias — propriedade compartilhada por muitos estímulos considerados visualmente desconfortáveis. Modelos de codificação neural com baixa esparsidade e desequilíbrio excitação-inibição simulam bem o desconforto gerado por tais imagens, sugerindo uma base computacional para o fenômeno (Penacchio & Wilkins, 2015).

Um ponto adicional relevante diz respeito à influência da aprendizagem e da história pessoal sobre a intensidade da resposta aversiva. Imagens que imitam infecções cutâneas, como buracos inseridos artificialmente em rostos humanos, são particularmente desagradáveis. Tal efeito pode estar relacionado a memórias traumáticas, experiências dermatológicas anteriores ou à ativação de mecanismos evolucionários de evitação de doenças — como demonstrado em estudos correlacionais entre histórico dermatológico e intensidade da trypofobia (Yamada & Sasaki, 2017).

Em suma, o artigo de Le et al. oferece evidências empíricas robustas de que a trypofobia não é apenas um desconforto subjetivo, mas um fenômeno psicofisiológico verificável, com implicações relevantes para a compreensão das interações entre percepção visual, emoção e neurofisiologia. As respostas diferenciam-se entre indivíduos com e sem a condição, tanto no nível autonômico quanto cortical, e parecem ser guiadas por mecanismos complexos que envolvem o processamento visual bottom-up, a aversão emocional aprendida e possivelmente adaptações evolucionárias. Esses achados reforçam a importância de reconhecer e estudar clinicamente condições aparentemente marginais como a trypofobia, pois elas revelam aspectos fundamentais do funcionamento cerebral humano.

Referência:
LE, An; COLE, Geoff G.; WILKINS, Arnold. Trypophobia: Heart rate, heart rate variability and cortical haemodynamic response. Journal of Affective Disorders, [S. l.], v. 274, p. 1147–1151, 2020. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jad.2020.06.002. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0165032719320761. Acesso em: 17 jun. 2025.

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