Por: Dr. Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues
A coexistência entre a Síndrome de Ehlers-Danlos (SED) e o Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem recebido crescente atenção na literatura científica contemporânea. Esta associação não se configura apenas como uma coincidência clínica, mas pode refletir um fenômeno de interação entre vulnerabilidades neurobiológicas e somáticas, em que o neurotransmissor ácido gama-aminobutírico (GABA) desempenha papel central na modulação da excitabilidade neural, da sensopercepção e da autorregulação visceral.
Em portadores de formas leves de SED, tradicionalmente negligenciadas nos sistemas de classificação sindrômica, observa-se um conjunto de sintomas que transcendem a hipermobilidade articular clássica. Entre eles destacam-se a fadiga persistente, a dor musculoesquelética difusa, as disfunções autonômicas, a hipersensibilidade sensorial e as alterações gastrointestinais funcionais. Estas manifestações coincidem com domínios frequentemente alterados no espectro autista, sugerindo uma sobreposição funcional que merece investigação aprofundada.
Sob essa perspectiva, a SED pode atuar como fator amplificador ou revelador de traços autísticos subclínicos. Não se trata da etiologia direta do TEA, mas da hipótese de que a fragilidade somática e a instabilidade neuroautonômica associadas à SED desestruturam redes compensatórias do sistema nervoso central, trazendo à tona padrões cognitivos e comportamentais compatíveis com o espectro autista.
A disfunção do sistema GABAérgico representa o possível elo fisiopatológico entre estas condições. No autismo, a literatura robusta aponta para uma redução da atividade GABAérgica, associada a um predomínio de sinais excitatórios em redes corticais e subcorticais, o que compromete a filtragem sensorial e a autorregulação emocional. Em indivíduos com SED, observam-se alterações na modulação do GABA que podem variar entre deficiência e hipersensibilidade, dependendo do perfil genético e fenotípico individual. Tal instabilidade neuroquímica facilita a emergência de hiperexcitabilidade neural e desordens de processamento sensorial.
Esta desregulação não se limita ao domínio cerebral. A associação entre disfunção autonômica e fragilidade tecidual propicia uma gama de efeitos colaterais, como prolongamento dos estados de ansiedade, sintomas gastrointestinais crônicos (tais como gastroparesia, refluxo e distensão abdominal) e manifestações físicas como dor crônica, intolerância ortostática e fadiga incapacitante. A perpetuação desses quadros estabelece um ciclo de retroalimentação entre vulnerabilidade somática e sobrecarga psicoemocional.
A análise integrada dos dados atuais sugere que pacientes com SED, especialmente nos graus leves e moderados, devem ser considerados como uma população de risco para a expressão ampliada de traços autísticos. A identificação precoce dessas características pode favorecer intervenções neuropsicológicas e clínicas mais eficazes, reduzindo o impacto funcional da combinação SED-TEA.
A compreensão da relação entre o GABA, a instabilidade autonômica e a expressão fenotípica cruzada entre SED e TEA redefine a abordagem clínica e investigativa dessas condições. Em vez de categorias diagnósticas estanques, impõe-se uma visão sistêmica, neuroevolutiva e personalizada, capaz de reconhecer a complexidade dos perfis individuais e propor estratégias terapêuticas que respeitem suas singularidades bioquímicas e estruturais.
Síndrome de Ehlers-Danlos e Autismo: Uma Hipótese Neuroquímica de Amplificação Fenotípica via GABA
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