A empatia, frequentemente compreendida como a capacidade de compartilhar e compreender as emoções de outras pessoas, tem sido associada a um sistema neural específico conhecido como sistema de neurônios-espelho (Mirror Neuron System – MNS). Esse sistema é ativado tanto durante a execução de ações quanto durante a observação das mesmas ações realizadas por outros, funcionando como uma ponte entre a percepção e a produção de estados emocionais. A relevância desse sistema para a empatia emocional é bem estabelecida, mas sua sensibilidade a fatores sociais contextuais, como a pertença a grupos, ainda carecia de validação empírica robusta até recentemente.
No estudo conduzido por Krautheim et al. (2019), essa lacuna foi abordada por meio de uma investigação que combinou dois aspectos metodológicos inovadores: (1) a análise de uma rede neural compartilhada entre a produção e a percepção de expressões faciais emocionais e (2) a introdução de uma manipulação de pertença grupal artificial por meio do paradigma de grupo mínimo (Minimal Group Paradigm). Esta abordagem permitiu isolar o efeito da simples afiliação grupal — independentemente de características identitárias como raça ou gênero — sobre a atividade empática cerebral.
Com o uso de imagens por ressonância magnética funcional (fMRI) em 178 participantes, foi possível identificar um extenso circuito neural compartilhado entre a produção e percepção de expressões emocionais, com predominância hemisférica direita, incluindo regiões como o giro frontal inferior, giro temporal médio, amígdala, hipocampo, parahipocampo, ínsula e área motora suplementar. Esses achados validam e ampliam as evidências anteriores sobre a participação do MNS em processos de empatia afetiva.
A descoberta mais notável, no entanto, foi a modulação dessa atividade pela pertença grupal. A percepção de expressões faciais emocionais de membros do ingroup (grupo artificialmente estabelecido) gerou uma ressonância neural significativamente maior nas regiões supracitadas, em comparação com expressões de membros do outgroup. Isso foi particularmente evidente nos polos temporais, amígdalas, giro frontal inferior esquerdo e giro temporal inferior e médio. Essa diferenciação neural não foi observada para expressões neutras, sugerindo que a influência do viés de grupo é específica para estímulos emocionais.
Do ponto de vista funcional, essas regiões têm papéis fundamentais em processos emocionais e sociais. A amígdala, por exemplo, está envolvida na detecção e processamento de estímulos emocionalmente salientes e socialmente relevantes. Já a ínsula anterior tem sido associada à experiência subjetiva de emoções e à empatia intergrupal. O giro frontal inferior, por sua vez, está relacionado à autorreferência e à empatia emocional — indicando que a percepção de emoções em membros do grupo pode estar ligada a processos de identificação pessoal.
A adoção do paradigma de grupo mínimo como estratégia metodológica se mostra particularmente relevante. Ao atribuir aleatoriamente os participantes a categorias artificiais (sem conteúdo afetivo ou histórico), os autores eliminaram possíveis interferências de preconceitos prévios, tornando evidente que o viés neural observado é atribuível à simples percepção de pertencimento grupal. Isso reforça a ideia de que o cérebro humano está predisposto a favorecer membros do grupo, mesmo quando essa categorização é arbitrária e recente.
Essas evidências sugerem que a empatia — embora biologicamente enraizada — é altamente sensível ao contexto social. A maior ressonância neural diante de emoções expressas por membros do ingroup pode representar um mecanismo adaptativo relacionado à coesão social, mas também aponta para um limite empático frente a indivíduos percebidos como fora do grupo. Tal limitação pode ter implicações relevantes para a compreensão de conflitos sociais e para o desenho de intervenções que visem promover empatia entre grupos distintos.
O estudo de Krautheim et al. (2019) oferece uma contribuição seminal ao demonstrar que o viés de grupo opera em níveis muito precoces e automáticos do processamento emocional, modulando diretamente os circuitos neurais da empatia. Essa constatação é especialmente importante em um cenário global de tensões intergrupais e polarizações sociais. A compreensão dos mecanismos neurais subjacentes ao viés empático pode, futuramente, auxiliar no desenvolvimento de estratégias educacionais, clínicas e políticas que incentivem a empatia universal, rompendo barreiras artificiais de pertença.
Referência:
KRAUTHEIM, Johannes T. et al. Intergroup empathy: enhanced neural resonance for ingroup facial emotion in a shared neural production-perception network. NeuroImage, v. 194, p. 182–190, 2019. DOI: https://doi.org/10.1016/j.neuroimage.2019.03.048.