Início ColunaNeurociências Modelagem em redes neurais estabilizadas para suprimir estímulos visuais concorrentes no córtex visual primário

Modelagem em redes neurais estabilizadas para suprimir estímulos visuais concorrentes no córtex visual primário

O estudo recente de Obeid e Miller (2025) propõe uma modelagem inovadora baseada em uma Rede Supralinear Estabilizada (Stabilized Supralinear Network – SSN), demonstrando sua capacidade de reproduzir propriedades fundamentais da supressão por estímulo periférico (surround suppression) observadas em V1.

por Redação CPAH

A integração entre estímulos recebidos no campo receptivo clássico (CRF) e em regiões circundantes no córtex visual primário (V1) permanece como uma questão central na neurociência computacional. O estudo recente de Obeid e Miller (2025) propõe uma modelagem inovadora baseada em uma Rede Supralinear Estabilizada (Stabilized Supralinear Network – SSN), demonstrando sua capacidade de reproduzir propriedades fundamentais da supressão por estímulo periférico (surround suppression) observadas em V1.

Ao contrário de modelos lineares tradicionais, a SSN emprega funções de transferência com crescimento supralinear que, quando acopladas com conectividade lateral biologicamente plausível, geram comportamentos não triviais e condizentes com a fisiologia do córtex visual. A proposta é ambiciosa: replicar três fenômenos cruciais da supressão por estímulo do entorno — (1) a supressão simultânea de correntes excitatórias e inibitórias; (2) a máxima supressão ocorrer quando a orientação do estímulo periférico coincide com a do estímulo central, independentemente da orientação preferida do neurônio; e (3) a supressão seletiva de componentes orientacionais em estímulos compostos como plaid (padrões de grade cruzados).

O primeiro ponto se apoia em dados experimentais que demonstram que a supressão por estímulo do entorno não se deve unicamente a um aumento da inibição, mas a uma redução conjunta de excitação e inibição sinápticas — um resultado que exige uma arquitetura de conectividade local suficientemente forte para que a rede se torne instável sem inibição de retorno. Tal rede torna-se, então, uma rede estabilizada por inibição (ISN), conforme sugerido por Ozeki et al. (2009). O modelo desenvolvido por Obeid e Miller confirma que, para replicar este comportamento, é necessário que as conexões excitatórias locais sejam não apenas fortes, mas relativamente homogêneas com relação à orientação nos limites espaciais do entorno próximo. Essa observação oferece um refinamento importante para modelos anteriores, que ou não contemplavam tais características ou se limitavam a versões unidimensionais ou simplificadas de circuitos corticais.

O segundo aspecto abordado pelo modelo — a supressão ser mais efetiva quando há correspondência entre as orientações do estímulo central e periférico — revelou-se dependente de um arranjo anatômico específico: conexões locais amplamente sintonizadas para orientação. Isso significa que a célula registrada, ao receber entradas preferencialmente de outras células sintonizadas com a orientação do estímulo central, será mais sensível a uma supressão vinda de um estímulo periférico que compartilha a mesma orientação do centro. O modelo mostra, portanto, que essa supressão não depende da orientação preferida do neurônio, mas sim do perfil funcional do microcircuito ao qual ele pertence.

O terceiro fenômeno — supressão seletiva de componentes orientacionais específicos em estímulos compostos — foi replicado no modelo por meio da conectividade específica entre neurônios de orientações similares. A apresentação de um estímulo plaid central, seguida de um estímulo periférico com a orientação de um dos componentes do plaid, levou à supressão seletiva daquele componente, evidenciando um mecanismo do tipo “input-gain”, conforme proposto por Trott e Born (2015). Importante notar que, segundo os autores, esse comportamento não requer a mesma estrutura de conectividade necessária para a observação do segundo fenômeno — uma distinção que confere autonomia funcional a cada mecanismo e questiona a hipótese de uma origem comum.

Outro ponto notável do estudo é a verificação de que essas propriedades emergem tanto em modelos baseados em taxas (rate-based) quanto em modelos mais biologicamente realistas baseados em potenciais de membrana e sinapses com condutância (spiking models). Além disso, o modelo é compatível com a rápida decadência da atividade cortical observada quando a entrada talâmica é silenciada — um achado crucial, pois modelos com excitação recorrente forte tendem a prolongar a atividade. O equilíbrio com a inibição — mesmo em regimes fortemente conectados — parece ser essencial para evitar dinâmicas lentas que não condizem com os dados fisiológicos de V1.

Em suma, o trabalho de Obeid e Miller representa uma contribuição robusta à compreensão da dinâmica de circuitos corticais sensoriais, sugerindo que mecanismos locais, estruturados de forma biologicamente plausível, são suficientes para gerar padrões complexos de resposta visual. Em minha leitura, especialmente comparando com trabalhos prévios que dependem fortemente de arquiteturas modulares ou entradas descendentes de áreas superiores, esse modelo sugere uma surpreendente suficiência dos circuitos locais em V1. Tal achado reforça o papel da auto-organização intracortical na emergência das propriedades funcionais da percepção visual.

Referência:
OBEID, Dina; MILLER, Kenneth D. Stabilized Supralinear Network Model of Responses to Surround Stimuli in Primary Visual Cortex. eNeuro, v. 12, n. 5, 2025. DOI: https://doi.org/10.1523/ENEURO.0459-24.2025.

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