O estudo de Karpinski et al. (2018), publicado na revista Intelligence, levanta uma questão intrigante e frequentemente negligenciada: pessoas com alta inteligência (QI ≥ 130) estariam mais propensas a sofrer de transtornos psicológicos e condições fisiológicas, como alergias, asma e doenças autoimunes? A pesquisa propõe a teoria do hipercérebro/hipercorpo (Hyper Brain/Hyper Body), sugerindo que a sensibilidade cognitiva e emocional elevada desses indivíduos pode acarretar consequências negativas para sua saúde mental e física.
Um olhar sobre o estudo e suas implicações
Os dados, coletados a partir de autorrelatos de 3.715 membros da American Mensa, indicam que indivíduos com alto QI apresentam maior risco para transtornos como ansiedade, depressão e transtorno bipolar, além de condições imunológicas como alergias e doenças autoimunes. O estudo sugere que essa população estaria particularmente vulnerável devido a um nível elevado de reatividade emocional e fisiológica a estímulos ambientais.
A teoria do hipercérebro/hipercorpo apresenta uma visão inovadora: o cérebro altamente eficiente desses indivíduos estaria em constante estado de alerta, processando estímulos de maneira intensa e frequente. Isso, por sua vez, geraria um estresse crônico que poderia desregular o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), afetando o sistema imunológico e predispondo-os a doenças.
Reflexões críticas
Embora o estudo traga uma contribuição importante para o entendimento dos desafios enfrentados por pessoas superdotadas, ele também enfrenta limitações que merecem atenção:
1. A amostra e a metodologia:
O uso exclusivo de dados autorrelatados por membros da Mensa limita a generalização dos achados. Embora a Mensa seja composta por indivíduos de alta inteligência, ela não reflete toda a diversidade dessa população. Além disso, a ausência de um grupo controle rigorosamente avaliado dificulta a confirmação de que os achados são específicos para o alto QI.
2. Correlações não são causalidades:
O estudo demonstra uma associação entre alto QI e maior prevalência de condições psicológicas e fisiológicas, mas não prova causalidade. Fatores ambientais, genéticos ou socioculturais podem estar contribuindo para esses resultados.
3. A complexidade da superdotação:
A superdotação não é homogênea. Fatores como criatividade, inteligência emocional e traços de personalidade variam amplamente entre indivíduos de alta inteligência e podem influenciar os resultados.
4. A vulnerabilidade como força:
O estudo foca nos desafios associados ao alto QI, mas não explora como essas características podem também ser fontes de força e resiliência. A alta sensibilidade emocional, por exemplo, pode ser um motor para a empatia, a inovação e a superação de desafios.
A relevância da discussão
Os resultados de Karpinski et al. destacam a importância de reconhecer as necessidades específicas das pessoas superdotadas. A sociedade frequentemente enxerga a alta inteligência apenas como uma vantagem, negligenciando os desafios psicológicos e físicos que muitas vezes acompanham esse perfil. Isso reforça a necessidade de suporte especializado, tanto no campo da saúde mental quanto em intervenções educacionais e sociais, que atendam às complexidades desse grupo.
Conclusão
A teoria do hipercérebro/hipercorpo abre portas para uma nova compreensão das implicações da alta inteligência. Embora mais pesquisas sejam necessárias para validar os achados e esclarecer os mecanismos subjacentes, o estudo já aponta para um aspecto fundamental: o equilíbrio entre os benefícios e os desafios do alto QI. Como sociedade, devemos acolher e apoiar as pessoas superdotadas, ajudando-as a transformar sua sensibilidade e intensidade em força e realização.
Referências
Karpinski, R. I., Kolb, A. M. K., Tetreault, N. A., & Borowski, T. B. (2018). High intelligence: A risk factor for psychological and physiological overexcitabilities. Intelligence, 66, 8–23. https://doi.org/10.1016/j.intell.2017.09.001