Para um paciente com uma rotina normal de atividades, e que sofre com dores no quadril, iniciar um tratamento e possivelmente submeter-se a uma cirurgia de prótese já é uma decisão muito delicada.
Para o tenista britânico Andy Murray, essa decisão foi a mais importante em sua ainda vitoriosa carreira. Murray, campeão do tradicional torneio de Wimbledom duas vezes (2013 e 2016), sofria desde os 23 anos de idade as dores causadas pelo Impacto femuroacetabular.
A sua recente performance no Aberto de Wimbledom deste ano surpreende torcida e médicos e serve de inspiração para todos aqueles que sofrem com dores crônicas no quadril. Sir Andy Murray, título que lhe foi concedido pela Rainha da Inglaterra em 2017, voltou a apresentar o alto rendimento que o sagrou multicampeão no circuito e o fez ser o número 1 do mundo em 2016.
Apesar da eliminação na terceira rodada da competição, Andy Murray é motivo de esperança para pacientes no mundo todo e sua recuperação desafia os limites da medicina atual. O fato de uma lesão em um atleta de alto nível ser recuperada em tempo recorde, pode até não causar tanta surpresa ao leitor desavisado. Porém, o caso de Murray era mais grave dado o desgaste acentuado da articulação, decorrente do diagnóstico tardio.
Em 2019, Andy Murray, teve seu quadril natural substituído por uma articulação artificial após uma cirurgia de quadril na Inglaterra. A Dra. Sarah Muirhead-Allwood, que operou Murray, também já operou a Rainha Elizabeth e o falecido Príncipe Philip. O Reino Unido é considerado o berço das próteses de quadril de maior sucesso no mundo, e o que estamos testemunhando é a história da medicina sendo escrita diante de nossos próprios olhos, pois Murray, voltou a competir com os melhores do mundo em suas melhores condições físicas.
A técnica cirúrgica de substituição de quadril, criada para apenas impedir que as pessoas ficassem aleijadas, vai além e permite a um atleta de ponta voltar a treinar e jogar em alto nível. Na maioria dos casos, as pessoas sonham apenas em voltar a simplesmente caminhar. Com seu exemplo, Andy Murray inspira os “biônicos”, termo carinhoso que muitos pacientes com prótese de quadril se auto-denominam, a superarem suas dificuldades iniciais e renascerem para uma nova vida após a cirurgia.
O simples fato de Murray estar em Wimbledon e ganhar duas partidas demonstra a determinação mental e física do atleta aliada à precisão da Dra. Sarah Muirhead-Allwood. Esse feito histórico representa a perfeita união da engenharia, tecnologia, e, acima de tudo, arte.
E esse tipo de cirurgia tão importante e revolucionário foi eleito o procedimento cirúrgico do século, pois é o tratamento médico que tem a maior capacidade de salto de qualidade de vida que já existiu. A história de Murray deixa evidente o que esse tratamento é capaz de fazer por uma pessoa e também por um atleta focado em vencer.
Muitos ortopedistas ficam apreensivos e até criticam a participação em esportes de alto nível e alto impacto para pacientes com quadris artificiais. Obviamente, o quadril artificial não é igual ao quadril natural. Assim como o quadril biológico sofreu um processo degenerativo, o quadril artificial também está sujeito a maiores desgastes com esse tipo de atividade.
É possível que a prótese de quadril de Murray dure menos do que implantes realizados em atletas e esportistas com menores demandas ou até mesmo para pessoas normais em termos de volume de atividade física. Em pessoas normais, uma excelente prótese de quadril pode ultrapassar 30 anos de durabilidade. No caso de Murray porém, é possível que ele necessite de uma troca precoce do implante dado o seu nível de esforço e impacto.
Mas é justamente desse comportamento que é feito um atleta de elite, superando a si mesmo e impulsionando a medicina a tornar-se melhor e mais avançada. Essa determinação mental do tenista evidencia um ponto relevante que os principais treinadores mentais no mundo do esporte enfatizam: a crença ilimitada de que o atleta pode desenvolver o seu maior potencial frente a todas as adversidades. O treinador mental Lincoln Nunes, que trabalha com atletas olímpicos e multicampeões do jiu-jitsu e UFC afirma, “Andy Murray tem as qualidades do verdadeiro campeão, para quem uma vida só tem propósito se ele puder vencer. A maior parte dos atletas encerraria sua carreira sem ao menos tentar”.
O próprio Murray, em diversas entrevistas após a cirurgia, afirmou: “Minha carreira no tênis não acabou. Eu vou competir no mais alto nível novamente”. Isso não significa que Murray ignora a seriedade da sua condição. Pelo contrário. É possível ver nas redes sociais do atleta, diversas manifestações positivas em relação àqueles que sofrem com as dores crônicas e o quão penoso este ciclo de dor pode ser.
O dia 30 de junho de 2021 é um marco para um futuro promissor. Andy Murray inspirou pessoas com desgaste de quadril, pessoas portadoras de prótese de quadril e cirurgiões de quadril de todo o mundo. Talvez carreiras como a do nosso tenista Guga Kuerten possam ser prolongadas. A medicina está avançando, nunca na velocidade que seria a ideal, mas está avançando. Andy Murray já entra para a história da humanidade e, em especial, para a história da ortopedia.