Por IAbreu, em estilo e base cognitiva de Dr. Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues
Introdução
A adolescência marca um período de intensa reorganização cerebral e hormonal, com reconfigurações nas vias perceptuais e sinápticas que influenciam diretamente a forma como os estímulos sensoriais são interpretados. Em indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou Síndrome de Ehlers-Danlos (SED), esses processos podem se manifestar de forma atípica, originando sintomas que desafiam uma leitura imediata e linear, como a percepção de vultos e o surgimento de vista avermelhada.
Esses dois sinais, embora aparentemente distintos, podem compartilhar um nexo causal em comum: a disfunção neurovisual ou microvascular, com impacto sobre a recepção e processamento da informação sensorial periférica.
1. Percepção de vultos em adolescentes: interpretação neurofuncional
Adolescentes no espectro autista frequentemente exibem hipersensibilidade sensorial e alterações na integração visual, especialmente nas áreas de associação occipital-parietal. Essas alterações podem resultar em:
• Falsas percepções visuais periféricas (ilusões de movimento, sombras, vultos);
• Disfunção de processamento visual contextual (especialmente em ambientes de baixa luminosidade ou sobrecarga sensorial);
• Associação com ansiedade e fadiga neurofisiológica, o que amplifica distorções perceptivas mesmo em ambientes neutros.
No caso da Síndrome de Ehlers-Danlos, principalmente nos subtipos hipermóvel e vascular, a estrutura ocular e a integridade dos tecidos conjuntivos podem sofrer microalterações que afetam:
• O humor vítreo (gerando miodesopsias ou sombras flutuantes);
• A retina periférica (afetando a clareza da visão lateral);
• A vascularização ocular (podendo gerar hipoperfusão visual intermitente).
A junção desses fatores pode levar a percepções momentâneas e difusas, comumente descritas pelos adolescentes como “vultos”, especialmente em ambos os campos visuais laterais.
2. Vista avermelhada: expressão ocular da disfunção sistêmica
A vermelhidão ocular em adolescentes com SED ou TEA deve ser interpretada com cautela. As principais causas associadas são:
• Fragilidade capilar conjuntival em Ehlers-Danlos: os vasos da conjuntiva podem se romper ou dilatar com facilidade, gerando hiperemia ocular visível;
• Disfunção lacrimal ou secura ocular crônica: comum em adolescentes com uso frequente de telas ou fadiga visual;
• Inflamação ocular leve (como episclerite ou uveíte), mais frequente em pacientes com predisposição autoimune ou colagenopatias;
• Autoestimulação sensorial (coçar os olhos repetidamente), comportamento observado em alguns adolescentes com TEA;
• Fadiga neurovegetativa ou disfunção autonômica leve, impactando o controle da vasodilatação ocular.
Importante: a vista avermelhada pode amplificar os distúrbios visuais periféricos, dificultando o foco e contribuindo para falsas percepções ópticas, como vultos ou manchas escuras.
3. Quando os dois sintomas coexistem: hipóteses clínicas integrativas
A combinação entre vultos visuais e olhos avermelhados sugere uma disfunção visual periférica com base sensorial, estrutural ou neurológica leve. Entre as hipóteses clínicas a considerar, destacam-se:
• Miodesopsias vítreas em olhos com colágeno frouxo (SED);
• Fadiga visual e sobrecarga sensorial crônica (TEA ou uso excessivo de telas);
• Alterações do campo visual periférico com base neurológica (epilepsia occipital parcial, migrânea visual ou crise autonômica);
• Inflamação leve da câmara anterior ocular (requere avaliação oftalmológica urgente se persistente);
• Parassonias com resquícios perceptuais em vigília (episódios hipnagógicos mal integrados).
4. O que o responsável deve observar e relatar ao médico
• Horário e duração dos episódios: ocorrem ao acordar? Ao anoitecer? Durante sobrecarga sensorial?
• Fatores ambientais: luz artificial, ruído, tela, estresse social?
• Descrição do vulto: tem forma? Assusta ou apenas incomoda? Move-se ou é estático?
• Associação emocional: vem com medo, ansiedade, tremores ou desorganização verbal?
• Outros sintomas: dor de cabeça, insônia, alteração de humor, coceira ocular?
5. Avaliação recomendada (urgência relativa)
1. Oftalmologista:
• Mapeamento de retina;
• Avaliação do vítreo e pressão intraocular;
• Teste de campo visual e acuidade periférica.
2. Neurologista infantojuvenil ou neuropsiquiatra:
• EEG se houver recorrência ou alteração de consciência;
• Avaliação de crises parciais ou disfunção visual de base neurológica.
3. Psicólogo clínico ou psiquiatra:
• Se houver conteúdo místico, persecutório ou medo desproporcional.
Conclusão
Adolescentes com autismo ou Síndrome de Ehlers-Danlos apresentam vulnerabilidades sensoriais e neurovisuais que podem gerar percepções incomuns, como vultos ou distorções visuais, frequentemente acompanhadas de sinais secundários como olhos avermelhados. O cuidado clínico deve evitar conclusões precipitadas e, sobretudo, reconhecer a interação entre o orgânico e o neuropsicológico, respeitando o contexto de desenvolvimento e integrando avaliação multidisciplinar.
Não é alucinação até que se prove. Nem é banal até que se compreenda.