Início ColunaNeurociências MRgFUS e a Nova Arquitetura da Intervenção Cerebral: Entre Precisão Termoneurológica e Riscos de Integração Sistêmica

MRgFUS e a Nova Arquitetura da Intervenção Cerebral: Entre Precisão Termoneurológica e Riscos de Integração Sistêmica

por Redação CPAH

A proposta de Kamimura e Sokolov (2025) sobre o uso do ultrassom focal guiado por ressonância magnética (MRgFUS) para aplicações neurológicas representa um ponto de inflexão na engenharia cerebral translacional. O artigo, embora tecnicamente robusto e com linguagem acessível ao setor industrial, carece de aprofundamento na integração entre neuroimagem funcional, neuroplasticidade e interfaces neuroimunes. O foco majoritário em aspectos técnicos e regulatórios reflete uma ótica orientada ao mercado, mas negligencia implicações neurobiológicas profundas que decorrem da ablação cerebral permanente.

A ablação do núcleo ventral intermediário do tálamo, por exemplo, embora clinicamente eficaz contra tremores, implica interferência direta em circuitos talamocorticais responsáveis por funções de temporização e integração motora. O artigo não menciona a ativação crônica de microglia induzida por necrose térmica, fator que pode influenciar negativamente a neurogênese e modular redes límbicas de forma imprevisível em médio prazo. Tampouco há análise sobre a possível interferência na sincronia oscilatória entre núcleos subcorticais e córtex pré-frontal medial — fundamental para processos decisórios e regulação emocional.

Outro ponto crítico é a ausência de discussão sobre a heterogeneidade funcional da substância branca adjacente às regiões-alvo. A segmentação baseada exclusivamente em atlas anatômicos, como sugerido pelos autores, é insuficiente frente à complexidade das conexões corticossubcorticais individuais. O uso de tractografia baseada em tensores de difusão (DTI) deveria ser normativo nesses protocolos, principalmente quando se aborda a viabilidade de ablação bilateral.

Apesar da precisão térmica descrita no artigo — com monitoramento em tempo real por ressonância — o risco de cavitação extracerebral e artefatos de deslocamento durante sonicação não são apenas limitações técnicas. São pontos de falha neuroética, considerando a possibilidade de danos irreversíveis em áreas não intencionadas. A substituição do paradigma ablativo por neuromodulação de baixa intensidade deveria ser incentivada como eixo evolutivo. A própria literatura citada no artigo aponta que os efeitos neuromodulatórios, ainda que transitórios, ativam circuitos corticais com efeitos significativos em sintomas motores e cognitivos.

Em termos de translacionalidade, os autores acertam ao apontar a integração com inteligência artificial e a tendência à portabilidade. Contudo, tais avanços devem ser acompanhados por sistemas de predição integrativos que considerem não apenas fatores anatômicos, mas também perfis genéticos e bioquímicos dos pacientes. Um modelo ideal incluiria variáveis como densidade de receptores dopaminérgicos, perfis de inflamação basal e padrões de oscilação neural em repouso.
Concluo que o artigo oferece um panorama abrangente da tecnologia, mas ainda opera sob uma lógica setorial. A neurociência aplicada exige mais do que eficiência térmica e regulação federal. Exige um modelo integrativo que compreenda o cérebro como sistema adaptativo e não como estrutura ablativa modular.

Referência: KAMIMURA, H. A. S.; SOKOLOV, A. Transcranial magnetic resonance-guided focused ultrasound for neurological applications: industry challenges, innovations, and future directions. Journal of Neural Engineering, v. 22, n. 2, p. 021003, 2025. DOI: 10.1088/1741-2552/adc8d2.

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