Início ColunaNeurociências A Validade do Diagnóstico de TDAH em Indivíduos com Alta Inteligência: Uma Análise sob a Perspectiva Neurocientífica

A Validade do Diagnóstico de TDAH em Indivíduos com Alta Inteligência: Uma Análise sob a Perspectiva Neurocientífica

O artigo revisado por Rommelse et al. (2022) oferece uma síntese sistemática dos achados neurobiológicos, comportamentais e genéticos sobre o TDAH em indivíduos com inteligência significativamente elevada, com base nos critérios de validade diagnóstica originalmente propostos por Robins e Guze (1970) e adaptados por Faraone (2005).

por Redação CPAH

A coexistência entre Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e alta inteligência tem sido alvo de controvérsia, frequentemente dificultando a acurácia diagnóstica e o direcionamento terapêutico. O artigo revisado por Rommelse et al. (2022) oferece uma síntese sistemática dos achados neurobiológicos, comportamentais e genéticos sobre o TDAH em indivíduos com inteligência significativamente elevada, com base nos critérios de validade diagnóstica originalmente propostos por Robins e Guze (1970) e adaptados por Faraone (2005).

Sob o primeiro critério — se os sintomas de TDAH podem ser dissociados de traços comportamentais comuns em pessoas altamente inteligentes — os dados sugerem que sintomas como desatenção e impulsividade são menos prevalentes nessa população, enquanto a hiperatividade tende a apresentar-se em níveis normais a elevados. Isso indica que a hiperatividade pode ser uma manifestação comportamental própria da superdotação e não, necessariamente, um marcador patológico. Tal padrão reforça a hipótese de que, nesses casos, a hiperatividade possua função adaptativa, relacionada à busca ampliada por estímulos cognitivos e sensoriais. No entanto, a ausência de dados sistemáticos sobre o grau de prejuízo funcional gerado por tais comportamentos limita a generalização diagnóstica (Rommelse et al., 2022).

Em relação à trajetória evolutiva do transtorno, indivíduos com TDAH e alto QI apresentaram taxas de persistência sindrômica similares às de pessoas com inteligência média. Ademais, relataram maior necessidade de apoio escolar, comorbidades psiquiátricas aumentadas e prejuízos funcionais em domínios familiares e ocupacionais, evidenciando que a alta inteligência não elimina os impactos do TDAH ao longo da vida (Antshel et al., 2007; 2008; 2009 apud Rommelse et al., 2022).

Do ponto de vista neuropsicológico, os autores observaram que habilidades cognitivas como atenção sustentada, memória de trabalho, inibição de resposta e velocidade de processamento tendem a ser superiores em indivíduos com alta inteligência. Em contraste, tais funções estão consistentemente prejudicadas em pessoas com TDAH. Nos casos em que ambos os perfis coexistem, os déficits cognitivos são frequentemente mascarados pelo alto desempenho global, o que reforça a necessidade de avaliações neuropsicológicas que considerem a discrepância entre inteligência estimada e desempenho em tarefas específicas. Os estudos disponíveis indicam que esses indivíduos apresentam desempenho compatível com controles sem TDAH de inteligência média, mas inferior ao esperado para seu nível de inteligência — o que sugere uma manifestação real do transtorno, ainda que compensada parcialmente pelo repertório cognitivo (Rommelse et al., 2022).

Geneticamente, embora tanto o QI quanto o TDAH apresentem herdabilidade significativa, os estudos revisados indicam sobreposição genética modesta entre os dois construtos. No caso específico de indivíduos com alto QI e TDAH, a taxa de recorrência familiar foi semelhante à observada em amostras com TDAH de inteligência média, sugerindo que os mecanismos de herança não são distintos (Antshel et al., 2007, 2009 apud Rommelse et al., 2022).

Por fim, em relação à resposta ao tratamento, as evidências disponíveis mostram que indivíduos com TDAH e alto QI respondem de forma semelhante ao tratamento farmacológico em comparação aos de QI médio. Isso contraria a ideia de que sua inteligência elevada por si só modulasse de forma significativa a eficácia terapêutica, apontando para a necessidade de intervenções igualmente estruturadas (Grizenko et al., 2012 apud Rommelse et al., 2022).

Em síntese, os dados revisados reforçam a validade do diagnóstico de TDAH em indivíduos com inteligência elevada, desde que o diagnóstico leve em conta a possível atenuação ou mascaramento dos sintomas e a variabilidade nos critérios de superdotação. A hipótese de que a hiperatividade possa ter valor adaptativo nesse contexto é instigante, especialmente à luz de um modelo neurodesenvolvimental mais flexível, que considere trajetórias divergentes de maturação cortical. Como neurocientista, percebo que ainda carecemos de estudos longitudinais e com delineamentos mais rigorosos para compreender as interações entre cognição superior e psicopatologia — um terreno fértil para a pesquisa futura.

Referência:ROMMELSE, N.; VAN DER KRUIJS, M.; DAMHUIS, J.; HOEK, I.; SMEETS, S.; ANTSHEL, K.; HOOGEVEEN, L.; FARAONE, S. A neuroscience perspective on the validity of attention-deficit/hyperactivity disorder in the context of (very) high intelligence. 2022. Manuscrito não publicado.

Alguns destaques

Deixe um comentário

3 + 8 =

Translate »