O ultrassom focalizado transcraniano guiado por ressonância magnética (MRgFUS) representa um dos avanços mais notáveis na interface entre a neurotecnologia e a terapêutica clínica. Este método minimamente invasivo permite a ablação ou modulação precisa de estruturas cerebrais profundas, utilizando imagens de ressonância magnética (MRI) em tempo real para orientar e monitorar a aplicação de ondas de ultrassom de alta intensidade. A sua aplicação clínica já é consolidada no tratamento de distúrbios do movimento, como o tremor essencial (ET) e a doença de Parkinson (PD), com aprovação da FDA para ablação do núcleo ventral intermédio (Vim) e do globo pálido interno (GPi) em casos refratários a terapias convencionais (Kamimura & Sokolov, 2025).
Um dos grandes diferenciais do MRgFUS em relação a outras intervenções neurocirúrgicas, como a estimulação cerebral profunda (DBS), é sua natureza não invasiva e a ausência de implantes permanentes, o que reduz o risco de complicações pós-operatórias e elimina a necessidade de manutenção crônica. Adicionalmente, o uso da termometria por ressonância permite um controle térmico preciso, minimizando lesões em tecidos adjacentes. No entanto, vale ressaltar que a ablação térmica é irreversível e, se mal direcionada, pode resultar em déficits neurológicos duradouros — daí a importância de aprimoramentos contínuos nas técnicas de imagem, focalização e algoritmos de planejamento terapêutico (Kamimura & Sokolov, 2025).
As evidências clínicas disponíveis demonstram que a ablação unilateral do Vim por MRgFUS proporciona alívio sustentado dos sintomas motores em ET, com efeitos colaterais geralmente leves e transitórios. Dados de acompanhamento por cinco anos indicam manutenção significativa da melhora motora e ausência de complicações progressivas ou tardias. Além disso, a aplicação bilateral em etapas, com intervalo mínimo de nove meses entre os procedimentos, tem se mostrado eficaz e segura, com eventos adversos predominantemente reversíveis, como disartria, parestesias e instabilidade postural (Kamimura & Sokolov, 2025).
A expansão da tecnologia MRgFUS para alvos alternativos, como o trato cerebelotalâmico (CTT), o núcleo subtalâmico (STN) e o trato palidotálamo (PTT), abre novas perspectivas terapêuticas, especialmente em subtipos de tremor ou sintomas parkinsonianos não responsivos à ablação do Vim. Ensaios clínicos recentes também apontam seu potencial para tratar dor neuropática, epilepsia, transtornos psiquiátricos (como TOC e depressão resistente) e até patologias em populações pediátricas — o que demonstra a plasticidade e a versatilidade dessa abordagem (Kamimura & Sokolov, 2025).
Apesar dos avanços, o MRgFUS ainda enfrenta desafios técnicos, especialmente relacionados à variabilidade da anatomia craniana e à atenuação de energia ultrassônica pelo osso. A razão de densidade óssea (SDR) e outras características do crânio, como espessura e ângulo de incidência das ondas, impactam diretamente a eficácia da focalização. Sistemas de detecção de cavitação, algoritmos de correção por pseudo-CT e novas abordagens com inteligência artificial estão sendo desenvolvidos para otimizar o planejamento e a entrega da energia terapêutica, reduzindo riscos e ampliando a elegibilidade dos pacientes (Kamimura & Sokolov, 2025).
Em perspectiva, a integração de tecnologias emergentes, como ressonância magnética de campo ultra-alto (7T ou superior), inteligência artificial para predição de alvos e parâmetros ideais de tratamento, e dispositivos portáteis para avaliação de tremor e monitoramento de eficácia, promete impulsionar ainda mais a aplicabilidade do MRgFUS. Adicionalmente, estratégias como a abertura temporária da barreira hematoencefálica e a sonodinâmica terapêutica (SDT) posicionam o ultrassom focalizado como uma plataforma versátil para terapias personalizadas no campo da neurologia e neurooncologia.
Em síntese, o MRgFUS representa não apenas uma nova fronteira em neuroterapias, mas um paradigma transformador que converge inovação tecnológica, segurança e eficácia clínica. Ainda que desafios persistam, o potencial disruptivo desta abordagem é evidente, sobretudo diante de uma medicina que caminha cada vez mais para intervenções precisas, minimamente invasivas e guiadas por imagem em tempo real.
Referência:
KAMIMURA, H. A. S.; SOKOLOV, A. Transcranial magnetic resonance-guided focused ultrasound for neurological applications: industry challenges, innovations, and future directions. Journal of Neural Engineering, [S.l.], v. 22, n. 2, p. 021003, 2025. DOI: https://doi.org/10.1088/1741-2552/adc8d2. Disponível em: https://doi.org/10.1088/1741-2552/adc8d2. Acesso em: 23 abr. 2025.