A trypophobia — aversão a padrões visuais de objetos agrupados, como buracos ou protuberâncias — tem ganhado atenção crescente na neurociência da percepção. Originalmente associada à presença de energia espectral excessiva em frequências espaciais médias, evidências recentes desafiam essa visão reducionista. O estudo conduzido por Pipitone e DiMattina (2020) apresenta um experimento rigoroso, baseado em análise de Fourier, para dissociar e avaliar a contribuição relativa dos espectros de fase e de amplitude em imagens trypofóbicas na gênese do desconforto visual.
A amplitude espectral de uma imagem determina quais frequências espaciais estão presentes (ou seja, a distribuição energética da imagem), enquanto o espectro de fase regula a disposição espacial dessas frequências, sendo responsável pela formação de contornos e padrões (e.g., os agrupamentos circulares característicos da trypophobia). Utilizando manipulações independentes destes dois parâmetros, os autores aplicaram uma abordagem fatorial completa sobre 31 imagens trypofóbicas, criando quatro condições: imagem original, fase original com amplitude natural (1/f), amplitude original com fase embaralhada e ruído 1/f completo.
Os achados são marcantes: o espectro de fase teve um impacto significativamente maior sobre os níveis de desconforto relatados pelos participantes, explicando 24,9% da variância nas avaliações de conforto, contra apenas 9% atribuídos ao espectro de amplitude. Mais ainda, a interação entre fase e amplitude respondeu por apenas 6,1% da variância. Participantes com altos escores no Trypophobia Questionnaire (TQ) relataram significativamente mais desconforto apenas quando o espectro de fase original estava presente, independentemente da amplitude — reforçando a noção de que o agrupamento visual (e não a distribuição de energia espectral) é o principal determinante do desconforto trypofóbico.
Vale observar que uma análise controle foi conduzida para descartar o efeito potencial da mera aleatorização da fase como causadora de conforto. Curiosamente, em imagens neutras (não trypofóbicas), embaralhar a fase reduziu o conforto visual — evidência adicional de que, no contexto trypofóbico, o desconforto decorre da preservação da estrutura espacial, não de distorções genéricas da imagem.
Essa constatação tem implicações diretas para as hipóteses evolucionistas sobre a gênese da trypophobia. Ao contrário da teoria que associa a resposta de aversão à detecção de predadores com padrões espectrais específicos (como serpentes ou insetos venenosos), os dados favorecem a hipótese da “evitação de doenças”. A fase espectral confere às imagens a aparência de lesões cutâneas ou infestações parasitárias — estímulos que, de forma adaptativa, poderiam evocar respostas de nojo e evitar o contato com potenciais fontes de contágio. Corroborando essa linha, indivíduos com histórico de doenças dermatológicas apresentaram níveis mais altos de desconforto ao visualizar tais imagens em estudos anteriores.
Ainda que a amplitude espectral (particularmente em frequências médias) tenha sido apontada por trabalhos prévios como fator contributivo para desconforto visual em geral — provavelmente por sobrecarregar neurônios na área visual primária (V1), como propõe a hipótese de hipermetabolismo cortical — no caso específico da trypophobia, o impacto desse componente parece secundário, atuando apenas para intensificar a saliência dos padrões definidos pela fase.
Uma limitação relevante, reconhecida pelos próprios autores, é que a manipulação do espectro de fase ainda foi limitada à aleatorização completa. Futuras investigações poderiam testar sistematicamente diferentes formas de organização espacial, incluindo variações semânticas (e.g., agrupamentos não circulares), para aprofundar a compreensão dos gatilhos específicos da trypophobia.
Em síntese, o trabalho de Pipitone e DiMattina (2020) reformula o debate sobre os mecanismos perceptivos da trypophobia, deslocando o foco da energia espectral para a organização estrutural das imagens. Essa mudança de paradigma enfatiza a importância do conteúdo semântico visual — não apenas da estatística de baixo nível — no processamento afetivo da informação visual.
Referência:
PIPITONE, R. N.; DIMATTINA, C. Object Clusters or Spectral Energy? Assessing the Relative Contributions of Image Phase and Amplitude Spectra to Trypophobia. Frontiers in Psychology, v. 11, p. 1847, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.3389/fpsyg.2020.01847. Acesso em: 17 jun. 2025.