Maus-tratos na infância são a causa evitável mais significativa de psicopatologia, respondendo por cerca de 45% do risco de transtornos psiquiátricos com início na infância. Uma revisão de pesquisa sintetizou achados de neuroimagem para explorar as consequências neurobiológicas do abuso e da negligência por cuidadores. A revisão examinou estudos sobre abuso físico, sexual e emocional, bem como negligência, em crianças, adolescentes e adultos.
A pesquisa revelou que o abuso verbal parental, testemunhar violência doméstica e o abuso sexual podem atingir seletivamente regiões cerebrais e vias que processam e transmitem a experiência aversiva, como o córtex auditivo, visual e somatossensorial. Além disso, os maus-tratos estão associados a alterações morfológicas no córtex cingulado anterior, no córtex pré-frontal dorsolateral e no orbitofrontal, no corpo caloso e no hipocampo em adultos. O hipocampo, em particular, que é densamente povoado por receptores de glicocorticoides, é altamente suscetível ao estresse e consistentemente menor em adultos com histórico de maus-tratos.
A amígdala, uma estrutura cerebral fundamental na detecção de ameaças, também é afetada. Estudos mostraram que o abuso está consistentemente associado a uma resposta aprimorada da amígdala a estímulos ameaçadores, como rostos emocionais. Já o estriado, uma região cerebral associada à antecipação de recompensa, exibe uma resposta diminuída a recompensas esperadas em indivíduos que sofreram maus-tratos. Essas alterações cerebrais podem ser vistas como adaptações, preparando o cérebro para sobreviver em um ambiente percebido como hostil, mas podem levar a psicopatologias quando o indivíduo se encontra em um ambiente mais seguro.
A revisão levanta questões importantes sobre a relação entre essas mudanças cerebrais e os diagnósticos psiquiátricos. O artigo sugere que anormalidades estruturais e funcionais, inicialmente atribuídas a doenças psiquiátricas, podem ser uma consequência direta do abuso. Por exemplo, o volume reduzido do hipocampo, um achado comum na depressão, pode estar restrito a pacientes com histórico de maus-tratos, o que sugere que os maus-tratos são um fator de confusão importante em quase todos os estudos de neuroimagem psiquiátrica. A pesquisa ressalta a necessidade de mais estudos para entender os mecanismos de resiliência e as diferenças de gênero, já que o hipocampo feminino pode ser menos vulnerável ao estresse do que o masculino.
Referência:
TEICHER, M. H.; SAMSON, J. A. Annual Research Review: Enduring neurobiological effects of childhood abuse and neglect. Journal of Child Psychology and Psychiatry, v. 57, n. 3, p. 241–266, mar. 2016.

