Lidando com o luto na Medicina Veterinária

Foto de Dzmitry Dudov na Unsplash

A perda de um animal de estimação representa um desafio emocional significativo tanto para os tutores quanto para os profissionais da medicina veterinária. A complexidade do luto no contexto da clínica veterinária, abordando as relações com os tutores, o impacto nos veterinários e suas equipes, podem ser significativas. Mas existem estratégias de suporte e autocuidado essenciais para lidar com esse aspecto inerente da profissão. A compreensão e o manejo adequado do luto são cruciais para fortalecer o vínculo tutor-veterinário e promover o bem-estar de todos os envolvidos.

O vínculo humano-animal é forte e multifacetado. Os animais de estimação são considerados, mais do que nunca, membros da família, oferecendo companheirismo, amor incondicional e apoio emocional. A perda desse laço íntimo pode desencadear um luto tão intenso quanto a perda de um ente querido humano.

A medicina veterinária, embora focada na saúde e bem-estar animal, inevitavelmente se depara com a finitude da vida. A eutanásia, muitas vezes uma decisão compassiva para aliviar o sofrimento, e a morte inesperada de um paciente desencadeiam um processo de luto profundo nos tutores. Este luto, embora muitas vezes subestimado pela sociedade em geral, é genuíno e pode ter um impacto significativo na saúde mental e emocional dos indivíduos.

Os tutores em luto podem experimentar uma variedade de emoções, incluindo tristeza profunda, raiva, culpa, negação, ansiedade e solidão. Manifestações físicas como alterações no sono e apetite, fadiga e dificuldade de concentração também são comuns. A intensidade e a duração do luto variam de indivíduo para indivíduo, influenciadas por fatores como a natureza do vínculo com o animal, as circunstâncias da morte, o suporte social disponível e a história pessoal de perdas do tutor.

É crucial que os profissionais da medicina veterinária reconheçam a legitimidade dessa dor e ofereçam um ambiente de acolhimento e compreensão. Validar os sentimentos dos tutores, permitir que expressem sua tristeza e oferecer informações claras sobre o processo de eutanásia ou a causa da morte são passos fundamentais para ajudá-los a iniciar o processo de luto de forma saudável. A exposição constante à doença, ao sofrimento e à morte pode levar à fadiga por compaixão, ao estresse e ao esgotamento emocional.

Médicos Veterinários, em particular, podem sentir um peso adicional devido à responsabilidade de tomar decisões de eutanásia e de comunicar más notícias aos tutores. A sensação de falha, mesmo quando todas as opções terapêuticas foram esgotadas, pode gerar angústia e autocrítica. Para aqueles profissionais que possuem algum tipo de neurodiversidade, esse impacto pode ser ainda maior, pois o grau de sensibilidade emocional costuma ser mais elevado.

Apoiar os tutores durante o processo de luto é uma parte essencial do atendimento veterinário compassivo. Algumas estratégias eficazes incluem utilizar uma linguagem clara, sensível e respeitosa ao comunicar más notícias ou discutir a eutanásia; reconhecer a importância do vínculo tutor-animal e validar a dor da perda; apresentar as opções de cuidados paliativos e eutanásia de forma clara e compassiva, explicando o processo detalhadamente são recomendaçõe do CFMV; oferecer um espaço tranquilo e privado para que os tutores possam se despedir de seus animais; e como um grande diferencial, realizar algo simples como por exemplo enviar um cartão de condolências personalizado e, se apropriado, entrar em contato alguns dias após a perda para verificar o bem-estar do tutor.

Mas percebo que algo também importante é saber com o impacto emocional do luto dentro da prórpria clínica veterinária, é fundamental que os profissionais da medicina veterinária, estagiários e todos da equipe de suporte priorizem o autocuidado. Para isso é muito importante reconhecer e Validar os Próprios Sentimentos, ou seja, permitir-se sentir tristeza e outras emoções associadas à perda do paciente; aprender a equilibrar o cuidado com os pacientes e tutores com a necessidade de proteger a própria saúde emocional; conversar com colegas de profissão e participar de grupos de apoio para profissionais veterinários é um grande diferencial; e também muito importante fomentar uma cultura de comunicação aberta e apoio mútuo dentro da equipe veterinária.

O luto é uma realidade inerente à prática da medicina veterinária, afetando profundamente tanto os tutores quanto os profissionais. Reconhecer a legitimidade da dor dos tutores e o impacto emocional na equipe é o primeiro passo para oferecer um atendimento compassivo e promover o bem-estar de todos os envolvidos. Ao implementar estratégias de suporte eficazes para os tutores e priorizar o autocuidado da equipe, a comunidade veterinária pode navegar pelas ondas da saudade com mais resiliência e empatia, fortalecendo o vínculo humano-animal em todas as fases da vida.

Referências Bibliográficas:

Adams, C. L., Bonney, A., & Case, L. P. (2000). Pet loss and human grief: A review. Journal of the American Animal Hospital Association, 36(2), 107-112.
Archer, J. (1999). Attachment to animals. In J. Archer (Ed.), The nature of grief: The impact of personal loss in everyday life (pp. 227-247). Routledge.
Packman, W., Carmack, B. J., & Landes, A. (2014). Grief in response to the death of a companion animal. Death Studies, 38(6-10), 393-402.
Wise, J., Fordyce, M., & Roe, E. (2019). Understanding and addressing compassion fatigue in veterinary professionals. Veterinary Nursing Journal, 34(1), 10-13.
Bowlby, J. (1969). Attachment and loss, Vol. 1: Attachment. Attachment and Loss. New York: Basic Books. (Teoria do apego, relevante para entender o vínculo tutor-animal).
Kubler-Ross, E. (1969). On death and dying. Macmillan. (Modelo dos estágios do luto, frequentemente aplicado ao luto por animais de estimação).
Lazarus, R. S., & Folkman, S. (1984). Stress, appraisal, and coping. Springer publishing company. (Teoria do enfrentamento do estresse, aplicável ao autocuidado da equipe veterinária).

Related posts

Cerca de um terço dos homens portugueses nunca ouviu falar sobre endometriose

Alimentação e Saúde: um equilíbrio essencial também na Doença Hemorroidária

Sensibilidade térmica como marcador clínico potencial na estratificação e prevenção da síndrome metabólica: uma abordagem fundamentada na medicina preditiva, preventiva e personalizada