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Superdotação e a Dissonância Cognitiva: Um Estudo sobre o Sentimento de Não Pertencimento

Esse fenômeno, comumente descrito como uma dissonância cognitiva, não se deve à soberba, mas a uma desconexão entre suas capacidades cognitivas avançadas e o ambiente que os cerca.

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Indivíduos superdotados muitas vezes experimentam um profundo sentimento de não pertencimento ao meio social e intelectual em que estão inseridos. Esse fenômeno, comumente descrito como uma dissonância cognitiva, não se deve à soberba, mas a uma desconexão entre suas capacidades cognitivas avançadas e o ambiente que os cerca. Este artigo investiga as causas subjacentes a essa sensação de isolamento e como a ausência de um diálogo metacognitivo recíproco agrava essa experiência. A partir de uma análise crítica da literatura sobre superdotação, dissonância cognitiva e comunicação interpessoal, este estudo propõe que a falta de trocas intelectualmente estimulantes pode aumentar o sentimento de exclusão social e gerar frustrações em indivíduos superdotados.

Introdução

A superdotação intelectual é frequentemente associada a uma capacidade cognitiva excepcional em comparação à média da população. No entanto, o alto nível de inteligência desses indivíduos nem sempre resulta em facilidade de interação social. Pelo contrário, muitos superdotados relatam um sentimento de alienação, uma percepção de que não fazem parte do mundo ao seu redor. Esse sentimento pode ser particularmente intenso em situações sociais onde o nível de complexidade e profundidade do diálogo não corresponde às expectativas desses indivíduos.

Esta sensação de não pertencimento pode ser entendida como uma forma de dissonância cognitiva, um termo inicialmente introduzido por Festinger (1957) para descrever o desconforto mental causado pela incompatibilidade entre diferentes ideias ou crenças. No contexto da superdotação, essa dissonância surge da incompatibilidade entre as expectativas intelectuais e as interações cotidianas. Este artigo busca explorar como essa desconexão entre o desejo por um diálogo mais profundo e a realidade social afeta o bem-estar dos superdotados, considerando ainda o papel da metacognição nas interações interpessoais.

Dissonância Cognitiva em Indivíduos Superdotados

A dissonância cognitiva vivida por superdotados não se restringe à incongruência entre crenças e comportamentos, mas também se manifesta na esfera social e comunicativa. Superdotados frequentemente demonstram um desejo intenso por diálogos intelectualmente estimulantes e pela troca de ideias complexas. Contudo, ao se depararem com interações onde prevalecem questões triviais ou superficialidade, esses indivíduos podem sentir uma profunda frustração, o que intensifica sua sensação de alienação.

Essa desconexão é amplificada pela falta de uma “metacognição recíproca” nas conversas. Metacognição, definida como a habilidade de refletir sobre o próprio pensamento e o dos outros, é uma ferramenta importante para a comunicação eficaz (Flavell, 1979). Quando essa metacognição não é compartilhada em uma interação, o superdotado pode sentir que o diálogo se torna vazio, sem propósitos genuínos, resultando na perda de interesse na comunicação. Estudos recentes indicam que essa ausência de trocas intelectuais significativas pode contribuir para o isolamento social entre os superdotados (Gross, 2004).

A Necessidade de Diálogos Complexos e Objetivos

Superdotados, pela natureza de sua alta capacidade cognitiva, tendem a buscar diálogos que não apenas desafiem seu intelecto, mas que também proporcionem um sentido de coerência e avanço no conhecimento. Eles anseiam por aprender algo substancial e, ao mesmo tempo, expressar ideias que promovam discussões profundas. Entretanto, em ambientes onde esse tipo de troca não ocorre, o sentimento de inadequação cresce, levando o indivíduo a evitar tais interações ou a minimizá-las.

Pesquisas mostram que o tipo de comunicação que os superdotados buscam é frequentemente caracterizado por um alto nível de abstração, análise crítica e exploração de novos conceitos. Contudo, em muitos casos, a comunicação cotidiana não atende a essas expectativas, resultando em frustrações e, eventualmente, um afastamento social (Silverman, 2012).

A Metacognição e o Desafio do Pertencimento

A metacognição desempenha um papel crucial na comunicação eficaz, especialmente para indivíduos superdotados. A falta de reciprocidade metacognitiva — a capacidade de ambos os interlocutores entenderem e anteciparem o raciocínio um do outro — pode ser uma das principais razões pelas quais superdotados se sentem incompreendidos em interações sociais.

Embora seja natural que a maioria das pessoas opere em níveis metacognitivos diferentes, os superdotados frequentemente percebem uma lacuna significativa nesse aspecto. A incapacidade de encontrar interlocutores que compartilhem ou compreendam seu modo de raciocínio aumenta o distanciamento. Ao refletirem sobre a lógica das conversas, muitos superdotados podem concluir que não há valor em continuar certos diálogos, o que apenas reforça seu isolamento.

Considerações Finais

O sentimento de não pertencimento experimentado por superdotados não é uma questão de arrogância intelectual, mas sim o reflexo de uma dissonância cognitiva e social. A falta de oportunidades para diálogos complexos e a ausência de metacognição recíproca nas interações interpessoais contribuem significativamente para essa sensação. Para mitigar esse isolamento, é fundamental que tanto os superdotados quanto aqueles que convivem com eles desenvolvam uma maior consciência metacognitiva, de forma a promover diálogos mais ricos e reciprocamente estimulantes.

A compreensão desse fenômeno é essencial não apenas para a psicologia e neurociência, mas também para a educação e o desenvolvimento social de indivíduos superdotados. Programas educacionais que promovam interações significativas e desafiadoras podem ajudar a reduzir a sensação de isolamento e permitir que superdotados se sintam mais integrados em suas comunidades sociais e acadêmicas.

Referências

• Festinger, L. (1957). A Theory of Cognitive Dissonance. Stanford University Press.
• Flavell, J. H. (1979). Metacognition and cognitive monitoring: A new area of cognitive–developmental inquiry. American Psychologist, 34(10), 906-911.
• Gross, M. U. M. (2004). Exceptionally Gifted Children (2nd ed.). Routledge.
• Silverman, L. K. (2012). Giftedness 101. Springer Publishing.

Alguns destaques

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