A associação entre superdotação intelectual e psicopatologia em crianças e adolescentes tem sido objeto de extensa pesquisa, com resultados que variam muito e alimentam tanto a crença popular de que o gênio é vulnerável a problemas emocionais, quanto a ideia oposta de que a inteligência é um fator de proteção. Uma revisão sistemática da literatura, operacionalizando a superdotação em termos de pontuação de QI, buscou esclarecer essa relação. Os achados mais consistentes sugerem que, de maneira geral, crianças e adolescentes intelectualmente superdotados demonstram um ajuste socioemocional superior e menos dificuldades comportamentais do que seus pares com desenvolvimento típico. No entanto, a pesquisa também revelou complexidades e vieses que podem mascarar a verdadeira prevalência de dificuldades entre indivíduos superdotados.
A visão de que a superdotação é um fator protetor é amplamente suportada. Crianças superdotadas parecem ter níveis significativamente mais baixos de ansiedade, menos depressão e menos problemas comportamentais em comparação com crianças não superdotadas. Além disso, exibem maiores níveis de competências adaptativas, como alta autoestima e habilidades sociais bem desenvolvidas. Algumas pesquisas até indicam que a inteligência elevada pode ser um fator protetor contra problemas de internalização, como o transtorno de ansiedade generalizada e o transtorno de estresse pós-traumático. Um estudo neurocientífico recente também sugere que a ansiedade pode ter co-evoluído com a inteligência como um mecanismo adaptativo.
Contudo, a pesquisa também destaca a não-homogeneidade do grupo de superdotados, revelando que a superdotação pode estar associada a dificuldades específicas. Alguns estudos reportaram evidências de que um subconjunto de alunos superdotados apresenta problemas emocionais ou comportamentais graves. Por exemplo, um estudo encontrou que o nível de problemas comportamentais em um grupo de meninos com QI muito elevado (140-154) era semelhante ao de um grupo com dificuldades de aprendizagem e significativamente maior do que o de um grupo com QI mais baixo (124-139). Isso sugere que os problemas podem se manifestar de forma diferente em níveis mais altos de superdotação. Além disso, a superdotação pode estar ligada a processos de risco distintos, como a interação entre perfeccionismo e ansiedade.
As discrepâncias nos resultados podem ser atribuídas a várias questões metodológicas. Um dos principais vieses é a tendência de selecionar participantes de programas para superdotados, que podem super-representar indivíduos de alto desempenho acadêmico, social e comportamental, enquanto subestimam a prevalência de crianças superdotadas com dificuldades que não se encaixam nesse perfil. A revisão ressalta a importância de usar medidas de QI como critério de inclusão para evitar esse viés de seleção, pois os modelos baseados em conquistas acadêmicas podem ignorar estudantes com potencial intelectual não realizado devido a problemas como transtornos emocionais ou de aprendizagem.
Para pesquisas futuras, o artigo recomenda o uso de amostras maiores e mais representativas, estudos longitudinais que possam examinar os efeitos de interação entre variáveis como idade, etnia e gênero. Também é sugerido que os estudos usem testes de habilidades cognitivas administrados individualmente e medidas de psicopatologia que considerem dimensões específicas e apropriadas para a idade, em vez de medidas globais. Em última análise, a pesquisa mais rigorosa é necessária para informar políticas e programas que possam efetivamente atender às necessidades dessa população diversificada.
Referência:
Francis, R., Hawes, D. J., & Abbott, M. (2015). Intellectual Giftedness and Psychopathology in Children and Adolescents: A Systematic Literature Review. Exceptional Children, 82(1), 1–24. DOI: 10.1177/0014402915598779.