A superdotação intelectual (IG) é tradicionalmente definida por um Quociente de Inteligência (QI) elevado, geralmente igual ou superior a 130. A crença de que esses indivíduos possuem um perfil cognitivo com pontos fortes e fracos em comparação com seus pares de desenvolvimento típico (TD) tem sido amplamente explorada. Contudo, uma revisão sistemática da literatura revela um cenário mais complexo, mostrando que, embora crianças superdotadas possam ter habilidades superiores em certas áreas, elas também podem ter um desempenho comparável ao de seus pares em muitas outras funções cognitivas.
A revisão analisou 15 estudos e identificou diversas áreas de destaque para crianças superdotadas. Elas demonstraram ser mais habilidosas do que crianças TD em domínios como atenção, linguagem (vocabulário), matemática, memória de trabalho verbal e solução de problemas sociais. Por exemplo, em tarefas de atenção, as crianças superdotadas cometeram menos erros, tiveram maior precisão e mostraram menos flutuações nas habilidades de atenção. Curiosamente, um estudo não encontrou evidências de que a frequência de sintomas de TDAH seja maior ou menor em crianças superdotadas do que em crianças TD, desafiando a percepção popular de que as duas condições podem coexistir frequentemente.
No entanto, a pesquisa também revelou uma ausência de diferenças significativas em várias outras áreas. As crianças superdotadas apresentaram habilidades comparáveis às de crianças TD em habilidades visuoespaciais, memória de longo prazo, leitura, e em algumas funções executivas, como planejamento, inibição e memória de trabalho visual. As descobertas sobre as funções executivas, em particular, foram notavelmente heterogêneas, dependendo da natureza da tarefa, o que sugere que um QI elevado não corresponde necessariamente a um melhor funcionamento executivo em todas as suas facetas.
A revisão também destacou a importância de considerar subgrupos, como crianças com superdotação intelectual e transtornos de aprendizagem (IG-LD) ou TDAH (IG-ADHD). Esses subgrupos frequentemente apresentam habilidades cognitivas superiores em relação aos seus pares com TDAH ou dislexia e QI médio, mas ainda enfrentam dificuldades em outras áreas. Por exemplo, crianças com superdotação e dislexia (IG-disléxicas) podem ter melhores habilidades de memória de trabalho e linguagem do que crianças disléxicas de QI médio, mas ainda assim têm dificuldades que podem ser mascaradas por suas habilidades compensatórias, dificultando o diagnóstico.
Em conclusão, a superdotação intelectual não garante um perfil cognitivo uniformemente superior. A literatura aponta para um perfil com pontos fortes e fracos, onde o desempenho em muitas funções cognitivas pode ser comparável ao de crianças com desenvolvimento típico. A falta de diferença em muitas medidas pode ser explicada por fatores como o efeito teto dos testes neuropsicológicos, que geralmente são projetados para identificar déficits e não habilidades excepcionais. A pesquisa futura precisa abordar essas limitações metodológicas, usando amostras mais representativas e ferramentas de avaliação mais sensíveis para a população superdotada, a fim de obter uma caracterização mais precisa e robusta de seu perfil cognitivo.
Referência:
Bucaille, A., Jarry, C., Allard, J., Brochard, S., Peudenier, S., & Roy, A. (2021). Neuropsychological Profile of Intellectually Gifted Children: A Systematic Review. Journal of the International Neuropsychological Society, 1-17. DOI: 10.1017/S1355617721000515.

