O Imperativo Diagnóstico e Terapêutico da Depressão na Adolescência: Desafios na Atenção Primária à Saúde 

O período da adolescência, crucial para o desenvolvimento de habilidades emocionais e sociais, representa simultaneamente uma fase de alta vulnerabilidade para a manifestação de transtornos de saúde mental, com a depressão atingindo prevalência significativa da meia-idade para o final da fase (4-5%). Dada a sua forte associação com o risco de suicídio e o potencial para causar prejuízos sociais e educacionais duradouros, a identificação e o manejo efetivos da depressão neste grupo são cruciais.

Etiopatogenia Multifatorial e Disparidades de Gênero

A compreensão da patogênese da depressão na adolescência é complexa, dada a sua apresentação clínica heterogênea e a diversidade de fatores causais. O desenvolvimento da doença está associado à interação de fatores genéticos e ambientais.

Fatores de Risco e Circuitos Neurais

Fatores Ambientais e Estressores: Eventos estressantes agudos (como luto ou lesão pessoal) e adversidades crônicas (como maus-tratos, bullying, pobreza ou doença física) estão ligados à patogênese. Estressores de relacionamento crônicos e graves são particularmente importantes.

Fatores Modificáveis: Certos fatores de risco podem ser potencialmente modificáveis durante a adolescência, incluindo o uso de substâncias (álcool, cannabis, outras drogas ilícitas e tabaco), a dieta e o peso. O uso de álcool e drogas ilícitas tem consequências neurotóxicas e sociais deletérias que aumentam o risco de depressão.

Fatores Genéticos: Uma variante (5-HTTLPR) no gene transportador de serotonina pode aumentar o risco de depressão, mas apenas na presença de estressores de vida adversos ou maus-tratos precoces.

Circuitos Neurais: Dois circuitos neurais intimamente interligados ao risco de depressão continuam a amadurecer durante a adolescência:

Circuito Amígdala-Hipocampo-Córtex Pré-frontal (PFC): Ligado à atividade do eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenal (HPA) e à resposta ao estresse.

Circuito Estriado-PFC-Dopamina: Envolvido no sistema de recompensa, onde a atividade reduzida está associada ao risco e à expressão da depressão.

Disparidade de Gênero

Enquanto não há diferenças significativas na prevalência da depressão durante a infância, a adolescência apresenta uma forte preponderância feminina, semelhante à observada na idade adulta. Essa disparidade, improvável de ser atribuída apenas a diferenças na procura de ajuda, pode estar diretamente relacionada a mudanças hormonais femininas. A alta concentração de receptores de esteroides sexuais no circuito Amígdala-Hipocampo-PFC é um possível mecanismo biológico para o maior risco em meninas.

Desafios no Diagnóstico e Rastreio

Os profissionais de atenção primária são frequentemente o primeiro ponto de contato e desempenham um papel crucial na identificação, início do tratamento e encaminhamento para especialistas.

Manifestações Clínicas e Ferramentas

A manifestação clínica da depressão em adolescentes pode ser desafiadora, com sintomas que frequentemente se sobrepõem a outras condições. Em comparação com adultos, os adolescentes tendem a apresentar mais frequentemente sintomas somáticos, ansiedade, comportamento disruptivo e transtornos de personalidade.

O DSM-5 estabelece o diagnóstico de Transtorno Depressivo Maior exigindo um período de pelo menos duas semanas com humor deprimido ou perda de interesse/prazer, além de, no mínimo, quatro outros sintomas. É crucial que o avaliador observe que o humor deprimido pode ser substituído por irritabilidade ou mau humor em adolescentes, um sinal que pode ser negligenciado por cuidadores ou avaliadores.

As ferramentas de rastreio (screening) recomendadas pela US Preventive Services Task Force (USPSTF) e a American Academy of Pediatrics (AAP) incluem:

Beck Depression Inventory (BDI): Versões completas (21 itens) e adaptadas para Atenção Primária (BDI-PC, 7 itens) são amplamente utilizadas.

Patient Health Questionnaire for Adolescents (PHQ-A): Um módulo de 9 questões que avalia sintomas e o prejuízo funcional nas duas semanas anteriores.

Diagnósticos Diferenciais

O diagnóstico diferencial é vital, pois diferentes transtornos exigem tratamentos distintos. As principais condições que podem ser confundidas com a depressão adolescente incluem transtorno de ajustamento, transtorno distímico, transtorno bipolar e esquizofrenia. É especialmente importante ter em mente que o primeiro episódio sintomático de depressão pode ser o início de um transtorno bipolar.

Estratégias de Manejo e Tratamento

O tratamento deve ser individualizado, baseado na gravidade do quadro, na preferência do paciente/família, nos fatores de risco associados e na disponibilidade dos recursos terapêuticos. O manejo deve incluir, em todas as fases, psicoeducação, abordagem de apoio e envolvimento familiar.

Psicoterapia

Em casos de depressão leve, a psicoterapia pode ser a primeira linha de tratamento. As duas modalidades com maior eficácia comprovada são:

Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): Foca em distorções cognitivas e no desenvolvimento de técnicas de ativação comportamental e estratégias de coping.

Terapia Interpessoal (TIP): Parte do princípio de que a depressão está associada a relacionamentos disruptivos.

Farmacoterapia

Para a depressão moderada a grave, o tratamento combinado de psicoterapia e farmacoterapia é a base.

Fluoxetina é amplamente considerada a droga de primeira linha. O escitalopram também demonstrou ser particularmente eficaz para a faixa etária de 12 a 17 anos.

Atualmente, apenas fluoxetina (a partir dos 8 anos) e escitalopram (a partir dos 12 anos) estão aprovados pela FDA para o tratamento em crianças e adolescentes.

Risco de Suicídio: É importante notar que alguns estudos sugerem uma associação entre o uso de antidepressivos e o aumento do risco de suicídio. Adolescentes em uso de medicamentos devem ser monitorados de perto, e a família deve buscar assistência imediata se surgirem pensamentos suicidas para ajuste ou descontinuação da dose.

Antidepressivos Tricíclicos não demonstraram benefício na adolescência e apresentam efeitos colaterais significativos e alta letalidade em caso de overdose.

Fases do Tratamento

O tratamento é dividido em fases:

Aguda: Obter resposta e remissão.

Continuação: Consolidar a resposta, mantendo o tratamento por pelo menos 6 meses após a remissão dos sintomas.

Manutenção: Evitar recorrências, com acompanhamento recomendado de 1 ano (ou 2 anos em casos de depressão recorrente).

Referência:

BEIRÃO, Diogo et al. Depression in adolescence: a review. Middle East Current Psychiatry, v. 27, n. 1, p. 50, 2020.

Related posts

Mídias Sociais e Saúde Mental: Uma Análise Científica de Benefícios, Riscos e Oportunidades no Cenário Digital Contemporâneo

A Dinâmica Sócio-Técnica da Plataformização: Codificação da Interação Social e a Construção da Socialidade Computada

A Otimização Estratégica do Marketing Digital: Plataformas de Mídias Sociais como Imperativo Competitivo no Cenário de 2024