O Debate sobre a Identificação e o Desenvolvimento do Potencial em Estudantes Superdotados

O conceito de “superdotação” refere-se a indivíduos que apresentam um desempenho superior ao de seus pares em um determinado domínio, seja ele acadêmico ou não acadêmico. No entanto, a discussão em torno da superdotação é complexa e muitas vezes contraditória. Embora a sociedade celebre a inovação e o talento, o apoio à educação de superdotados não é obrigatório pelo governo federal nos Estados Unidos, e o financiamento federal para essa área é inferior a 0,5% do orçamento total para educação. Essa falta de consenso e investimento resulta em debates sobre como definir e identificar esses estudantes, bem como sobre a melhor forma de educá-los.

Diversos modelos conceituais foram propostos para abordar a superdotação, divididos em três categorias principais: modelos focados em habilidade, modelos focados no desenvolvimento de talentos e modelos integrativos. A abordagem mais comum e historicamente dominante define a superdotação como uma alta capacidade cognitiva, medida por testes de QI. Lewis Terman, por exemplo, em seus estudos pioneiros, operacionalizou a superdotação como um QI elevado. Outros modelos de habilidade, como a teoria triárquica de Robert Sternberg, expandem o conceito para incluir inteligência analítica, criativa e prática. Já a teoria das múltiplas inteligências de Howard Gardner sugere a existência de várias inteligências, como linguística, lógico-matemática, musical e interpessoal, e que o destaque em pelo menos uma delas pode ser considerado superdotação.

Por outro lado, os modelos de desenvolvimento de talentos, como o de Abraham Tannenbaum, enfatizam que a superdotação na infância é um potencial que precisa ser nutrido para se transformar em um talento adulto. Esses modelos destacam a importância de fatores psicológicos, como a motivação, e reconhecem a aplicabilidade da superdotação tanto em domínios acadêmicos quanto não acadêmicos. Joseph Renzulli, com sua concepção dos três anéis, argumenta que a superdotação é uma combinação de habilidade acima da média, criatividade e comprometimento com a tarefa, dispensando a necessidade de cortes de alta habilidade.

Modelos integrativos, como o megamodelo de Subotnik et al., sintetizam o conhecimento da ciência psicológica sobre superdotação e talento, definindo a superdotação como um potencial que se transforma em experiência e, em alguns casos, em eminência, através de esforço e oportunidade. Esses modelos, juntamente com o modelo multifatorial de interação gene-ambiente (MGIM) , reconhecem a complexa interação entre fatores genéticos, ambientais, de personalidade e prática deliberada para o desenvolvimento da expertise. A prática deliberada, em particular, é vista como essencial para o desempenho de especialistas, embora a alta habilidade possa potencializar seus benefícios.

A identificação de alunos superdotados é um dos pontos mais críticos do debate, refletindo a ausência de uma definição consensual. A adoção de práticas como o uso de testes de QI e testes de desempenho acima do nível da série tem se mostrado eficaz para prever o desempenho em classes aceleradas e o sucesso adulto em domínios específicos. No entanto, a sub-representação de alunos de baixa renda e de minorias étnicas e linguísticas em programas para superdotados continua sendo uma questão importante. Essa disparidade é atribuída a uma complexa combinação de fatores, incluindo o fosso de conquistas acadêmicas (achievement gap) já presente na pré-escola e a falta de acesso a oportunidades de aprendizado (opportunity gap).

Algumas propostas para mitigar a sub-representação incluem a triagem universal, a redução da dependência de indicações de professores e o uso de protocolos de identificação localizados, como o emprego de normas locais. O uso de testes de habilidade não verbal também é sugerido para alunos com dificuldades linguísticas, embora sua eficácia total seja debatida. Programas de enriquecimento intensivo e currículos desafiadores desde cedo têm se mostrado promissores para identificar e apoiar o potencial em populações sub-representadas.

Em conclusão, a superdotação é um campo em constante evolução que exige uma abordagem multifacetada. É fundamental reconhecer que a superdotação não é apenas um traço fixo, mas um potencial que se desenvolve ao longo do tempo por meio da interação entre habilidade, esforço, oportunidades e apoio social e emocional. Para fechar as lacunas de representação e maximizar o potencial de todos os alunos, é necessário um compromisso com políticas e financiamento que promovam a identificação equitativa e a educação de alta qualidade para todos os estudantes superdotados, independentemente de sua origem socioeconômica ou étnica.

Referência:

Worrell, F. C., Subotnik, R. F., Olszewski-Kubilius, P., & Dixson, D. D. (2019). Gifted Students. Annual Review of Psychology, 70(1), 551-576. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-010418-102846.

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