O narcisismo, em suas manifestações patológicas, é um transtorno de personalidade complexo, caracterizado por uma necessidade de admiração, uma maneira grandiosa de se relacionar e falta de empatia. A psicoterapia para o transtorno de personalidade narcisista (TPN) é frequentemente complicada e frustrante devido à dificuldade de engajar o paciente no processo terapêutico. O risco de suicídio nesses pacientes não é raro, especialmente no contexto de um grave “ferimento narcisista”, onde o paciente se sente envergonhado ou vilipendiado.
A literatura atual sugere que existem três subtipos de TPN: o grandioso/desatento, o vulnerável/hipervigilante e o de alto funcionamento. O subtipo grandioso/desatento é marcado por um senso exagerado de autoimportância, falta de remorso, manipulação interpessoal e uma busca incessante por poder e privilégios. Em contraste, o subtipo vulnerável/hipervigilante é caracterizado por uma sensibilidade extrema ao que os outros dizem, timidez, propensão à vergonha e sentimentos de inferioridade. O subtipo de alto funcionamento, por sua vez, pode ser difícil de diagnosticar, pois o indivíduo pode parecer agradável e enérgico, mas uma avaliação cuidadosa revela um senso de autoimportância exagerado e uma tendência a uma estrutura de “falso self”. É importante notar que esses subtipos não são rígidos; um narcisista grandioso pode facilmente se tornar vulnerável quando envergonhado ou criticado.
A vergonha é um sentimento central nos indivíduos narcisistas, que muitas vezes sentem que falharam em vários aspectos de suas vidas e que são “irreparavelmente defeituosos”. Um grave ferimento narcisista pode desencadear uma intensa vergonha a ponto de o suicídio parecer a única opção. A literatura sugere que o comportamento suicida é uma causa clinicamente significativa e subestimada de mortalidade no TPN. Pacientes com TPN têm maior letalidade em suas tentativas de suicídio, mas são menos impulsivos em comparação com aqueles com transtorno de personalidade borderline (TPB). Além disso, pacientes com TPN correm um alto risco de cometer suicídio ou tentativas altamente letais sem sinais de alerta ou auto-revelações.
A psicoterapia com pacientes narcisistas é complicada por diversos desafios, incluindo a sensação do terapeuta de ser “observador” em uma conversa unilateral. O paciente pode tratar o terapeuta como um “sounding board”. O contra-transferência pode ser intensa, com o terapeuta sentindo-se desvalorizado, ignorado ou até mesmo como alvo do ódio do paciente. Para mitigar esses riscos, o terapeuta deve manter uma aliança terapêutica sólida e resistir ao desprezo, buscando entender as vulnerabilidades do paciente. A honestidade sobre o risco de suicídio deve ser uma parte regular do diálogo, com o terapeuta questionando repetidamente a veracidade das negações do paciente.
Em conclusão, é imperativo que os profissionais de saúde mental reconheçam o risco de suicídio no TPN, especialmente em momentos de vergonha ou humilhação. Apesar da dificuldade no tratamento, o risco de suicídios consumados ou altamente letais torna essencial a contínua dedicação do clínico para ajudar o paciente a compreender e lidar com suas vulnerabilidades.
Referência:
Gabbard, G. O. (2022). Narcissism and suicide risk. Annals of General Psychiatry, 21(1), 3. https://doi.org/10.1186/s12991-022-00380-8