Eficácia e Tolerabilidade de Antidepressivos em Crianças e Adolescentes com Depressão Maior: Uma Perspectiva de Meta-Análise em Rede

A depressão em crianças e adolescentes é um desafio de saúde pública de grande relevância, classificado como o terceiro mais importante na estimativa da carga global de doenças. A prevalência de, pelo menos, um episódio de depressão maior antes da idade adulta é estimada em 1-2% para crianças (6-12 anos) e 2-5% para adolescentes (13-18 anos). O curso da doença em jovens frequentemente se caracteriza por recorrência frequente, episódios prolongados e comorbidades psiquiátricas. As consequências de um episódio não tratado podem incluir grave comprometimento no funcionamento social, como baixo desempenho escolar e problemas de relacionamento. Dada a associação da depressão com mais de 500.000 tentativas de suicídio por ano em crianças e adolescentes nos EUA, a detecção precoce, o diagnóstico e o tratamento se tornam estratégias cruciais para conter o aumento das taxas de suicídio juvenil.

Evolução do Tratamento Farmacológico e a Meta-Análise em Rede

Desde o final dos anos 1960, antidepressivos de primeira geração, como os antidepressivos tricíclicos (ATC), têm sido empregados. Contudo, ensaios clínicos randomizados (ECRs) com ATCs apresentaram evidências marginais para seu uso em adolescentes, frequentemente limitadas por deficiências metodológicas, como amostras pequenas. Além disso, os efeitos cardiovasculares e o risco de toxicidade por overdose associados aos ATCs restringiram sua utilidade clínica.

Em décadas recentes, os antidepressivos de nova geração, incluindo os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) e os inibidores da recaptação de serotonina-norepinefrina (IRSN), tornaram-se amplamente utilizados, com um aumento progressivo na frequência de prescrição. No entanto, a Agência Federal de Alimentos e Medicamentos (FDA) dos EUA aprovou apenas a fluoxetina para o tratamento da depressão em crianças e adolescentes em 2003. No mesmo ano, surgiram preocupações sobre um risco aumentado de ideação e tentativas de suicídio com o uso de ISRSs, levando a alertas de agências regulatórias de saúde.

Diante dos resultados conflitantes e da carência de ensaios comparativos diretos (head-to-head) entre os diversos antidepressivos nesse grupo etário , uma meta-análise em rede (MAR) foi empregada para integrar evidências diretas e indiretas de múltiplos comparações de tratamentos. O objetivo foi reanalisar sistematicamente a eficácia, a tolerabilidade (descontinuação por efeitos adversos), a aceitabilidade (descontinuação por todas as causas) e o risco de suicídio de ambos os grupos de antidepressivos em crianças e adolescentes com transtorno depressivo maior (TDM). Os critérios para a inclusão nos ECRs exigiram participantes de 6 a 18 anos com TDM e exclusão de ensaios com menos de 10 participantes, ensaios quase-randomizados, e aqueles focados em transtorno bipolar ou depressão resistente ao tratamento.

Principais Resultados da Meta-Análise em Rede

A análise pareada inicial de comparações diretas revelou alguns resultados significativos, geralmente contrastando um antidepressivo com placebo. Por exemplo, em comparação com o placebo:

A escitalopram e a fluoxetina mostraram um efeito significativo na melhoria geral dos sintomas (eficácia).

A fluoxetina e a sertralina apresentaram um aumento significativo na taxa de resposta.

A imipramina, sertralina e venlafaxina foram associadas a uma maior descontinuação por efeitos adversos (piora na tolerabilidade).

A classificação dos tratamentos (SUCRA) para o desfecho de eficácia (melhoria geral dos sintomas) indicou que a fluoxetina obteve o ranking mais alto (76,6%), seguida pela desipramina (67,7%) e duloxetina (64,1%). Por outro lado, para o desfecho de tolerabilidade (descontinuação por efeitos adversos), o placebo teve o ranking mais alto (82,5%), sendo o tratamento mais tolerável, seguido pela fluoxetina (75,7%) e amitriptilina (72,8%). Para a aceitabilidade (descontinuação por todas as causas), a nefazodona foi a mais bem classificada (90,4%), seguida pela fluoxetina (80,1%) e mirtazapina (68,3%), com o placebo em quarto lugar (66,1%). Em relação ao risco de suicídio (comportamento ou ideação), a imipramina (68,9%) e o placebo (65,6%) apresentaram os melhores rankings, sugerindo que os antidepressivos podem ser comparativamente seguros nesse aspecto, embora o contexto de segurança deva ser sempre avaliado.

É importante notar que a qualidade geral dos estudos incluídos foi avaliada como moderada. Muitos dos estudos de comparação direta foram classificados com risco de viés alto ou moderado. A avaliação da qualidade da evidência através do sistema GRADE classificou a confiança na maioria das estimativas de eficácia e tolerabilidade como muito baixa ou baixa, indicando a necessidade de cautela na interpretação desses resultados.

A MAR confirmou a fluoxetina como uma das opções mais eficazes e com tolerabilidade comparativamente melhor entre os antidepressivos estudados para TDM em crianças e adolescentes. A complexidade e as limitações na qualidade da evidência destacam a necessidade de ensaios clínicos robustos e bem desenhados para informar melhor as diretrizes clínicas e as decisões de tratamento.

Referência:

CIPRIANI, Andrea et al. Comparative efficacy and tolerability of antidepressants for major depression in children and adolescents: a network meta-analysis. Annals of General Psychiatry, v. 23, n. 36, 2024. (Nota: A referência ABNT aqui é a provável publicação final, conforme a informação do protocolo no apêndice. )

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