O Transtorno Depressivo Maior (MDD) em crianças e adolescentes é uma das principais causas globais de incapacidade, com uma patofisiologia que permanece em grande parte desconhecida. No entanto, o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA), o principal sistema neuroendócrino de resposta ao estresse, e o sistema endocanabinoide (ECS), que modula o estresse, são considerados mecanismos regulatórios interligados e cruciais implicados no desenvolvimento de transtornos depressivos. A presença de receptores glicocorticoides (GRs) e canabinoides (CBR) em áreas-chave do cérebro, como o hipotálamo, hipocampo, córtex e amígdala, reforça essa interconexão.
Redução de Cortisol e Anandamida como Biomarcadores
O estudo “Major depressive disorder in children and adolescents is associated with reduced hair cortisol and anandamide (AEA): cross-sectional and longitudinal evidence from a large randomized clinical trial” (Walther et al., 2025), utilizando dados de um grande ensaio clínico randomizado (Omega-3-pMDD), investigou a associação transversal e longitudinal do MDD pediátrico com as concentrações de cortisol e anandamida (AEA) no cabelo. As concentrações medidas no cabelo são consideradas um reflexo integrado e de longo prazo (vários meses) dos níveis hormonais.
Os achados, baseados em 237 participantes (110 casos de MDD e 127 controles saudáveis), revelaram:
Comparações Transversais (Baseline): Crianças e adolescentes com MDD exibiram níveis significativamente mais baixos de cortisol e AEA no cabelo em comparação com os controles saudáveis. Controlar para idade, sexo, IMC e uso de antidepressivos de baseline não alterou a significância estatística dessas associações.
Associações Longitudinais: A análise multinível longitudinal (ao longo de 36 semanas) corroborou uma associação longitudinal negativa entre os níveis de cortisol no cabelo e a severidade dos sintomas depressivos (escore CDRS-R) em pacientes com MDD. Isso indica que, uma vez estabelecido o MDD, o eixo HPA pode estar exaurido.
Em contraste, não foi encontrada associação longitudinal significativa entre os níveis de AEA e a severidade da depressão. O AEA é um endocanabinoide que, em roedores e adultos, tem sido associado a efeitos neuroprotetores e de melhoria do humor, e seu esgotamento no MDD é plausível, refletindo um mecanismo de coping ao estresse comprometido.
Implicações Fisiopatológicas e Terapêuticas
Os resultados desafiam a visão tradicional que associa o MDD (em geral) com o aumento dos níveis de cortisol devido ao estresse crônico. A redução observada do cortisol pode ser explicada por:
Regulação Adaptativa: Uma regulação adaptativa negativa (downregulation) do eixo HPA em resposta ao estresse prolongado, o que leva a uma produção reduzida de cortisol ao longo do tempo.
Hipoatividade Inicial: Uma hipoatividade do eixo HPA desde o início, secretando cortisol insuficiente em sua atividade basal.
Conversão Enzimática: Uma taxa de conversão de cortisol em cortisona (biologicamente inativa) potencialmente muito alta, com a enzima 11-beta-HSD estando hiperativa, exaurindo o hormônio ativo e limitando a energia do sistema para responder ao estresse.
A descoberta longitudinal de que o cortisol está negativamente associado à severidade dos sintomas em jovens com MDD sugere que o eixo HPA pode estar exaurido. Esse achado levanta a hipótese de que o tratamento farmacológico com glicocorticoides sintéticos pode ser considerado para esta população, o que contraria a suposição de que as terapias antiglicocorticoides seriam mais indicadas para o MDD.
A redução de AEA e cortisol de baseline emergem como biomarcadores robustos em jovens deprimidos, com a associação longitudinal do cortisol podendo ser útil para fins de monitoramento terapêutico. Esses resultados têm implicações para a detecção precoce, diagnóstico e previsão da resposta terapêutica no MDD pediátrico.
Limitações do Estudo
As limitações incluem a possível confusão dos resultados pela inclusão de comorbidades (como TDAH e transtornos de ansiedade) e tratamentos prévios. Além disso, a ausência de coleta sistemática de variáveis sociodemográficas, como raça/etnia e uso de contraceptivos hormonais, limita a generalização e o exame de potenciais efeitos moderadores. A estreita faixa etária examinada (média de 15,7 anos) restringe a aplicabilidade dos achados a crianças pré-puberais ou adultos.
Referência:
WALTHER, Andreas et al. Major depressive disorder in children and adolescents is associated with reduced hair cortisol and anandamide (AEA): cross-sectional and longitudinal evidence from a large randomized clinical trial. Translational Psychiatry, London, v. 15, n. 183, p. 1-9, 24 May 2025. DOI: 10.1038/s41398-025-03401-8.