A depressão é uma condição debilitante, caracterizada por déficits neurocognitivos e comportamentais diversos. No entanto, a capacidade de sentir um humor deprimido em nossa espécie sugere que isso pode ter uma função adaptativa. Aplicando a Teoria de Sistemas Evolutivos (EST) e o Princípio da Energia Livre (FEP), é possível argumentar que a depressão reflete uma resposta adaptativa a ameaças percebidas de resultados sociais aversivos, como a exclusão. Essa resposta visa minimizar a probabilidade de interações interpessoais surpreendentes e imprevisíveis.
O FEP descreve o cérebro como um sistema de “máquina de previsão” que busca maximizar a evidência para seu modelo do mundo, minimizando o que é chamado de “surpresa”. Dentro dessa estrutura, a depressão pode ser vista como um transtorno de alostase, marcado por uma desregulação da energia e déficits na inferência interoceptiva. Isso leva a uma falha em atualizar modelos internos disfuncionais (rigidez cognitiva), perpetuando ineficiências metabólicas e a espiral descendente típica da doença.
A vulnerabilidade à depressão pode ser exacerbada por mecanismos epigenéticos e ontogenéticos que aumentam a reatividade ao estresse. A exposição ao estresse social precoce, como negligência ou abuso, é um forte preditor de vulnerabilidade depressiva. O risco de depressão aumenta marcadamente na adolescência, um período de significativa maturação cerebral e maior sensibilidade a ameaças sociais. A teoria do risco social propõe que o humor deprimido é uma estratégia adaptativa e avessa ao risco que diminui a probabilidade de resultados aversivos em interações sociais. Isso é alcançado por meio de mudanças adaptativas na cognição, como uma hipersensibilidade a estímulos sociais ameaçadores, e no comportamento, como o retraimento social.
Quando a resposta depressiva falha em mitigar o estresse social, o indivíduo pode entrar em um ciclo de autoperpetuação, que se manifesta como uma espiral depressiva. Essa espiral é sustentada por um ciclo de retroalimentação positiva entre o aumento da precisão dos erros de previsão social e um viés negativo nas previsões sociais. Isso pode levar a comportamentos depressivos contínuos que confirmam vieses negativos, criando uma profecia autorrealizável.
Para o tratamento, o modelo sugere a necessidade de desenvolver abordagens que facilitem respostas adaptativas ao estresse social. Isso pode explicar a eficácia da psicoterapia interpessoal e destaca o valor de intervenções precoces que reduzem a vulnerabilidade, visando os fatores de risco modificáveis no ambiente social.
Referência:
Badcock, P. B., Davey, C. G., Whittle, S., Allen, N. B., & Friston, K. J. (2017). The depressed brain: an evolutionary systems theory. Trends in Cognitive Sciences, 21(9), 653-668. https://doi.org/10.1016/j.tics.2017.06.009