As possibilidades de vozes permeadas pela polifonia, dialogismo e carnavalização na canção “Béradêro”, de Chico César.

A linguagem, para o Círculo de Bakhtin, é um fenômeno vivo, pulsante e construído na interação com o outro. Sob a perspectiva da Teoria Dialógica da Linguagem (TDL), entende-se que todo enunciado é um campo de forças, um espaço de embate e escuta onde vozes se entrelaçam e se contrapõem, revelando movimentos sociais e ideológicos. A canção “Béradêro” de Chico César é analisada através das lentes da TDL, com ênfase nos conceitos de dialogismo, polifonia e carnavalização.

A carnavalização, um dos pilares da TDL, é vista não apenas como divertimento, mas como uma força subversiva que desafia discursos autoritários, permitindo que vozes antes silenciadas ganhem destaque. Na visão carnavalesca, tudo é relativo e reversível, as hierarquias são derrubadas e a multiplicidade de vozes irrompe com vitalidade. Em “Béradêro”, a carnavalização se manifesta na subversão do sagrado, como na “Santa” que questiona sua própria posição no andor, e na polissemia da palavra “bala”, que transita entre a violência e a doçura.

O dialogismo, por sua vez, é a categoria unificadora da obra de Bakhtin, afirmando que todo enunciado carrega consigo a presença do outro, seja para confirmá-lo, refutá-lo ou reconfigurá-lo. Não se trata de um simples diálogo, mas de um embate entre vozes ideológicas. Em “Béradêro”, o dialogismo se revela nos paradoxos como “a contenteza do triste” e “a tristezura do contente”, que desestabilizam fronteiras entre alegria e dor, e na interrupção dos repetidos “sins” pelo “não contudo”, que marca a irrupção do dissenso.

A polifonia, conceito que Bakhtin expandiu da música, representa o embate criativo entre consciências que não se fundem, mas se escutam e se tensionam. Nenhuma voz detém o monopólio da verdade, e cada sujeito tem o direito de expressão sem anular o outro. A canção “Béradêro” é um exemplo de enunciado polifônico que costura geografias, tempos e afetos, convocando o ouvinte a transitar entre o sagrado e o profano, o riso e a denúncia. A imagem da “moça cosendo roupa com a linha do Equador” simboliza a união de mundos e a superação de separações, costurando o tecido do mundo com fios de reconciliação. A riqueza sensorial e simbólica da canção está ancorada em sua tessitura sonora e semântica, onde as repetições de “São sons, são sons de sins […] não contudo” abrem múltiplos sentidos, jogando com os limites entre afirmação e negação.

Em síntese, “Béradêro” se configura como um potente enunciado socialmente situado, cuja análise através da TDL contribui para a compreensão da relação entre arte, linguagem e sociedade. A canção de Chico César, ao conjugar estética, política e cultura, torna-se uma arena viva de sentidos em disputa, onde a carnavalização, o dialogismo e a polifonia se corporificam, revelando uma sociedade contraditória e em constante reinvenção.

Referência:

BARBOSA, F. L. B.; SOUSA, A. M. B. Béradêro, de Chico César, à luz do dialogismo do Círculo de Bakhtin: possibilidades de vozes permeadas pela polifonia, dialogismo e carvanalização. Open Minds International Journal, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 80-90, jan./abr. 2025.

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