O narcisismo e o Transtorno da Personalidade Narcisista (TPN) têm sido objeto de um crescente interesse e pesquisa, no entanto, isso também gerou debates substanciais e questões não resolvidas sobre a natureza do construto. A falta de uma distinção clara entre as apresentações grandiosas e vulneráveis do narcisismo tem contribuído para a falta de coerência na literatura. Uma perspectiva baseada em traços de personalidade pode trazer maior clareza a esses debates.
O narcisismo grandioso é caracterizado por indivíduos que são abertamente imodestos, auto-promocionais, egocêntricos e dominadores, combinando traços de antagonismo e extroversão. Por outro lado, o narcisismo vulnerável descreve pessoas que são auto-centradas, desconfiadas e neuróticas, mas que também exibem um sofrimento psicológico considerável e fragilidade. Embora a literatura clínica tenha reconhecido essa heterogeneidade por muito tempo, a pesquisa empírica sobre essas duas dimensões só ganhou força na última década.
Apesar dessas diferenças, um modelo unificado de narcisismo pode ser desenvolvido ao identificar as características centrais e periféricas. A característica central, compartilhada tanto pelo narcisismo grandioso quanto pelo vulnerável, é o antagonismo interpessoal. Traços periféricos, que distinguem as duas dimensões, são a extroversão agêntica no narcisismo grandioso e o neuroticismo no narcisismo vulnerável. Indivíduos que pontuam alto em antagonismo e extroversão agêntica representam o narcisismo grandioso, enquanto aqueles com pontuações altas em antagonismo e neuroticismo representam o narcisismo vulnerável. A forma mais próxima do TPN, segundo o DSM-5, seria a combinação das três características.
Uma controvérsia notável é a distinção entre narcisismo “normal” (ou adaptativo) e “patológico”. O narcisismo grandioso é frequentemente rotulado como normal, enquanto o vulnerável é considerado patológico. No entanto, esta visão é criticada por supervalorizar o sofrimento subjetivo e subestimar o prejuízo e o sofrimento que o narcisismo grandioso causa aos outros. Pesquisas documentam que o narcisismo grandioso, mesmo em sua forma “normal”, está associado a comportamentos desadaptativos, como agressão, comportamento antissocial, decisões arriscadas e dificuldades interpessoais.
As amostras de pesquisa também são um ponto de discórdia. O estudo em amostras clínicas, que tendem a ser mais altas em vulnerabilidade e sofrimento emocional, pode levar a uma visão distorcida do construto geral de narcisismo. O artigo sugere que, para entender o narcisismo prototípico, é mais apropriado estudar amostras onde traços como grandiosidade e dominação são mais prevalentes, como em contextos forenses, corporativos e universitários.
Em resumo, a compreensão do narcisismo pode ser aprimorada ao se reconhecer as suas múltiplas facetas, distinguindo entre as apresentações grandiosas e vulneráveis. O antagonismo interpessoal atua como o núcleo comum, enquanto as dimensões de extroversão e neuroticismo servem como especificadores. Uma avaliação cuidadosa e o uso de múltiplos instrumentos são essenciais para uma pesquisa robusta, que deve focar na investigação dos fatores etiológicos e na estabilidade desses traços ao longo do tempo.
Referência:
Miller, J. D., Lynam, D. R., Hyatt, C. S., & Campbell, W. K. (2017). Controversies in narcissism. Annual Review of Clinical Psychology, 13, 291-315. https://doi.org/10.1146/annurev-clinpsy-032816-045244