A interseção entre a Síndrome de Ehlers-Danlos (SED) e o Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem emergido como uma área de crescente interesse científico, com evidências que sugerem mecanismos neurobiológicos compartilhados que podem potencializar a expressão clínica de ambas as condições. A modulação do ácido gama-aminobutírico (GABA), o principal neurotransmissor inibitório do sistema nervoso central, desponta como um elemento integrador desses fenômenos.
Estudos sobre o TEA consistentemente identificaram um desequilíbrio entre neurotransmissores excitatórios e inibitórios, com predominância da atividade glutamatérgica em detrimento da função GABAérgica, o que compromete a filtragem sensorial, a regulação emocional e a adaptação social, características centrais do espectro autista. Simultaneamente, pesquisas com pacientes portadores da SED sugerem que disfunções autonômicas, somáticas e neurológicas podem envolver instabilidades no sistema GABAérgico, embora com expressões clínicas mais heterogêneas.
Essa convergência funcional levanta a hipótese de que a SED, mesmo em suas formas leves, pode potencializar a manifestação de traços autísticos em indivíduos geneticamente predispostos, ao desestabilizar sistemas neuroquímicos e autonômicos compensatórios. Tais interações são particularmente relevantes na presença de sintomas como hipersensibilidade sensorial, ansiedade crônica, disfunções gastrointestinais e intolerância ortostática, frequentemente observados em ambos os grupos diagnósticos.
No contexto do TEA, a disfunção GABAérgica é sustentada por estudos que apontam para uma redução na síntese, liberação ou sinalização GABAérgica em regiões corticais e subcorticais críticas. Essa deficiência promove um ambiente de hiperexcitabilidade neuronal que compromete o processamento sensorial, a comunicação social e a regulação emocional. Para a SED, embora a etiologia primária esteja ligada a mutações em genes que codificam proteínas da matriz extracelular, a instabilidade autonômica e os sintomas neurológicos associados podem ser modulados por disfunções no sistema GABAérgico. Pacientes com SED frequentemente apresentam respostas paradoxais a agonistas GABAérgicos, o que pode ser atribuído a uma hipersensibilidade de receptores pós-sinápticos ou a uma alteração na homeostase autonômica dependente de GABA.
A hipótese de que a SED pode desencadear manifestações compatíveis com o espectro autista baseia-se na possibilidade de que disfunções somáticas, associadas à disautonomia e à instabilidade neuroquímica, provoquem uma descompensação dos circuitos cerebrais reguladores do comportamento adaptativo. Isso ocorreria principalmente em indivíduos com predisposição genética ou perfis neurofuncionais vulneráveis. A SED, ao amplificar traços autísticos latentes, revela a necessidade de uma abordagem clínica integrada que contemple não apenas as manifestações ortopédicas e viscerais da síndrome, mas também suas implicações neuropsicológicas e comportamentais.
A desorganização das compensações neurais em indivíduos com SED é particularmente relevante no contexto da modulação GABAérgica, cuja instabilidade compromete a homeostase entre excitação e inibição nos circuitos corticais e subcorticais. A sobrecarga somatossensorial constante, provocada por disfunções viscerais, hipermobilidade articular, fadiga e dor crônica, pode exaurir a capacidade de autorregulação dos sistemas neurais que sustentam a adaptação ambiental e a estabilidade emocional. Com o colapso dessas rotas de compensação, traços autísticos antes subclínicos ou compensados por plasticidade funcional tornam-se evidentes.
Um protocolo terapêutico integrado para pacientes com SED e traços do espectro autista deve ser multifocal, adaptado às instabilidades autonômicas, vulnerabilidades neuroquímicas e expressões clínicas amplificadas. Isso inclui intervenções farmacológicas com modulação cuidadosa do sistema GABAérgico (priorizando doses ultrabaixas e monitoramento rigoroso) , intervenções nutricionais com suplementação de magnésio e vitamina B6, e uma dieta anti-inflamatória. Intervenções comportamentais como programas de integração sensorial e rotinas estruturadas são essenciais para modular a sobrecarga sensorial e reduzir crises comportamentais. Além disso, psicoterapias adaptadas para neurodivergência e o uso de testes genéticos para identificar polimorfismos associados à sinalização GABAérgica e regulação autonômica podem personalizar e aumentar a eficácia do tratamento.
A convergência entre neurociência, genética e prática clínica humanizada é o caminho mais promissor para compreender e tratar adequadamente as manifestações amplificadas do espectro autista em pacientes com Síndrome de Ehlers-Danlos.
Referência:
Rodrigues, F. de A. A., & Silva, A. P. da. (2025). Interações Neuroquímicas entre a Síndrome de Ehlers-Danlos e o Transtorno do Espectro Autista: O Papel do GABA na Amplificação Fenotípica.
Ciencia Latina Revista Científica Multidisciplinar, 9(3), 8269–8278. https://doi.org/10.37811/cl_rcm.v9i3.18446