O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é o transtorno do neurodesenvolvimento mais comum em crianças e adolescentes, com uma prevalência global de aproximadamente 5,3%. Suas manifestações incluem comportamentos de desatenção, desorganização, hiperatividade e impulsividade que são persistentes e resultam em prejuízos significativos para os indivíduos afetados. O impacto do TDAH é considerável, afetando a qualidade de vida, o funcionamento diário e aumentando o risco de resultados negativos, como baixo desempenho educacional, acidentes, conflitos familiares e comportamento criminoso. Dada a natureza crônica e de longo prazo do TDAH, o tratamento eficaz e oportuno é uma prioridade social e de saúde pública.
A base de evidências para o tratamento do TDAH, que inclui intervenções farmacológicas e não farmacológicas, é vasta. No entanto, a interpretação e a aplicação dessas evidências na prática clínica enfrentam desafios metodológicos importantes. Uma das principais questões é o viés de cegamento. Em ensaios clínicos, o desconhecimento dos participantes e dos avaliadores sobre a alocação do tratamento é crucial para garantir a validade dos resultados. No entanto, em estudos farmacológicos, o cegamento pode ser comprometido por efeitos colaterais visíveis, enquanto em intervenções psicossociais, é particularmente difícil de ser mantido, pois os pacientes e os pais são frequentemente os informantes primários. Análises sugerem que os efeitos do tratamento em desfechos não cegados tendem a ser significativamente maiores do que em desfechos cegados, o que pode superestimar a eficácia de uma intervenção.
Outro problema relevante reside na falta de dados de alta qualidade sobre a eficácia, segurança e tolerabilidade a longo prazo de ambos os tipos de tratamento. Embora agências reguladoras como a EMA tenham exigido estudos mais longos, a maioria dos ensaios ainda se concentra em períodos relativamente curtos. A avaliação de eventos adversos também é um desafio, especialmente para efeitos raros, mas graves, como eventos cardiovasculares. Para contornar essas limitações, estudos observacionais com grandes amostras e dados de registros nacionais têm sido utilizados para complementar os dados de ensaios clínicos randomizados (RCTs) e avaliar desfechos do mundo real, como acidentes de trânsito e desempenho escolar.
As diretrizes clínicas internacionais, apesar de basearem-se na mesma evidência, apresentam algumas divergências, principalmente onde as evidências de alto nível são escassas. No entanto, existem semelhanças notáveis. Todas as diretrizes concordam que a base para o diagnóstico de TDAH deve ser a entrevista clínica e a observação direta, e que escalas de avaliação são ferramentas complementares. Todas as diretrizes também reconhecem a importância das diferenças de desenvolvimento e da necessidade de estratificar as recomendações de tratamento por idade. Para crianças e adolescentes, os estimulantes são geralmente a primeira linha de tratamento farmacológico recomendada.
No que tange às intervenções não farmacológicas, as evidências indicam que o treinamento parental é eficaz para reduzir problemas comportamentais e melhorar as interações familiares, embora o seu efeito sobre os sintomas centrais do TDAH seja menos robusto em avaliações cegas. Outras intervenções, como o neurofeedback e o treinamento cognitivo, mostram resultados mistos e não são recomendadas como primeira linha de tratamento para os sintomas centrais.
A gestão do TDAH deve ir além da simples aplicação de diretrizes, adotando uma abordagem centrada na pessoa e na família. É crucial que as prioridades e preferências dos pacientes e de seus familiares sejam consideradas, por meio de um processo de decisão compartilhada e de psicoeducação de alta qualidade. A monitorização do tratamento deve se concentrar não apenas na redução dos sintomas, mas também em desfechos mais amplos, como a qualidade de vida e as metas individuais. Além disso, a abordagem deve ser colaborativa e multidisciplinar, envolvendo não só psiquiatras e psicólogos, mas também outros profissionais, e deve considerar o uso de serviços inovadores, como o teleatendimento e recursos digitais, para melhorar o acesso e a adesão ao tratamento.
Em conclusão, o tratamento do TDAH é uma área complexa, mas com uma sólida base de evidências que apoia a eficácia e a segurança de abordagens farmacológicas e não farmacológicas, especialmente no curto prazo. Contudo, é imperativo que os clínicos estejam cientes dos desafios metodológicos que podem influenciar a interpretação dos resultados e que, ao mesmo tempo, adotem uma abordagem holística e colaborativa, focada nos resultados que são mais significativos para os pacientes e suas famílias.
Referência:
Coghill, D., Banaschewski, T., Cortese, S., Asherson, P., Brandeis, D., Buitelaar, J., Daley, D., Danckaerts, M., Dittmann, R. W., Doepfner, M., Ferrin, M., Hollis, C., Holtmann, M., Paramala, S., Sonuga-Barke, E., Soutullo, C., Steinhausen, H. C., Van der Oord, S., Wong, I. C. K., Zuddas, A., & Simonoff, E. (2023). The management of ADHD in children and adolescents: bringing evidence to the clinic: perspective from the European ADHD Guidelines Group (EAGG). European Child & Adolescent Psychiatry, 32(8), 1337-1361. https://doi.org/10.1007/s00787-021-01871-x.