O domínio da personalidade conhecido como Abertura à Experiência/Intelecto é o mais controverso dos “Cinco Grandes Fatores” (Big Five). Ele engloba traços como curiosidade, criatividade, imaginação e intelecto, mas suas bases neuropsicológicas não são totalmente compreendidas. Este artigo propõe um modelo que caracteriza a Abertura/Intelecto como uma flexibilidade cognitiva motivada e a relaciona com o sistema dopaminérgico e as funções do córtex pré-frontal (PFC). O modelo sugere que a Abertura/Intelecto surge de múltiplas funções cerebrais, algumas compartilhadas com a Extroversão e outras exclusivas a ela.
O modelo é fundamentado na ideia de que os “Cinco Grandes Fatores” podem ser organizados em dois metatraços de ordem superior:
Estabilidade (que agrupa Estabilidade Emocional, Agradabilidade e Conscienciosidade) e Plasticidade (que agrupa Extroversão e Abertura/Intelecto). A Plasticidade reflete a tendência do organismo a se envolver de forma ativa e flexível com a novidade. A Extroversão manifesta essa tendência de maneira mais comportamental, enquanto a Abertura/Intelecto o faz de forma mais abstrata e cognitiva.
O estudo sugere que o sistema dopaminérgico, que regula a resposta a novidades e recompensas, é a base neurobiológica comum tanto para a Abertura/Intelecto quanto para a Extroversão. A ativação dopaminérgica, por exemplo, está associada à diminuição da inibição latente, um mecanismo cognitivo que filtra estímulos irrelevantes para conservar recursos. Uma menor inibição latente torna o indivíduo mais permeável à informação nova, o que pode levar a uma maior flexibilidade e criatividade. A Abertura/Intelecto e a Extroversão estão ambas associadas a esse traço.
No entanto, o estudo também investigou a fonte de variância exclusiva da Abertura/Intelecto. A hipótese central é que, enquanto a Extroversão está ligada às projeções dopaminérgicas para o sistema límbico e estriado, a Abertura/Intelecto está associada às projeções para o córtex pré-frontal dorsolateral (dlPFC). O dlPFC é crucial para a manipulação consciente de informações, a resolução de problemas novos e a síntese de relações complexas, funções que se alinham com o caráter cognitivo da Abertura/Intelecto. O estudo testou essa hipótese aplicando uma bateria de tarefas cognitivas associadas ao dlPFC e medidas de habilidade cognitiva geral (g) a um grupo de estudantes universitários.
Os resultados confirmaram que a Abertura/Intelecto, e nenhum outro traço do Big Five, estava associada às funções do dlPFC. Além disso, a Abertura/Intelecto foi o único traço a correlacionar-se positivamente com a habilidade cognitiva geral, tanto em sua forma fluida (gF, a capacidade de resolver problemas novos) quanto cristalizada (gC, o conhecimento adquirido). A habilidade cognitiva fluida (gF), em particular, que está fortemente ligada às funções do dlPFC, foi um preditor independente de Abertura/Intelecto.
O estudo conclui que a Abertura/Intelecto pode ser entendida como uma flexibilidade cognitiva motivada que se manifesta em múltiplos níveis da função cerebral, todos potencialmente modulados pela dopamina. Isso inclui a valorização da novidade na motivação, a permeabilidade cognitiva facilitada pela inibição latente reduzida e, crucialmente, o processamento flexível de informações no dlPFC. Essa compreensão aprofunda o modelo da personalidade, fornecendo uma base neuropsicológica coerente que pode impulsionar futuras pesquisas sobre as fontes e interações dos traços de personalidade.
Referência:
DeYoung, C. G., Peterson, J. B., & Higgins, D. M. (2005). Sources of Openness/Intellect: Cognitive and Neuropsychological Correlates of the Fifth Factor of Personality. Journal of Personality, 73(4), 825–858. DOI: 10.1111/j.1467-6494.2005.00330.x.