A Relação entre Superdotação e Transtornos Socioemocionais: Uma Análise Sistemática da Literatura

A superdotação intelectual, frequentemente definida por um alto escore em testes de QI, é um tema que levanta questões sobre o desenvolvimento socioemocional e comportamental desses indivíduos. Uma revisão sistemática da literatura, que analisou 19 estudos publicados entre 2000 e 2020, investigou a associação entre superdotação e a presença de transtornos socioemocionais e/ou comportamentais. Os resultados mostram que não há uma conclusão única, e a relação pode ser tanto um fator de risco quanto um fator de proteção.

A Heterogeneidade dos Resultados

Os achados da revisão são inconsistentes, e a presença de problemas socioemocionais, transtornos internalizantes (como ansiedade e depressão) e externalizantes (como hiperatividade) varia entre os estudos. Por exemplo, três dos oito estudos que investigaram problemas socioemocionais encontraram uma presença maior de problemas, enquanto cinco dos nove que examinaram transtornos internalizantes e três dos cinco que avaliaram transtornos externalizantes também encontraram maior prevalência no grupo superdotado. Por outro lado, a alta capacidade intelectual pode ser um fator protetor contra essas dificuldades.

A discrepância nos resultados pode ser atribuída à heterogeneidade metodológica dos estudos, incluindo a idade dos participantes, os informantes (pais, professores, clínicos) e os instrumentos de avaliação utilizados. Fatores como sexo, idade e o contexto em que a criança é observada também modulam a manifestação dos sintomas. Por exemplo, um estudo não encontrou diferenças em crianças superdotadas em idade pré-escolar, sugerindo que os problemas podem surgir em idades posteriores.

Assincronia no Desenvolvimento e Comorbidades

Um fator crítico que emergiu da revisão é a discrepância entre as habilidades verbais e não verbais do indivíduo. Crianças superdotadas com uma diferença significativa entre os escores de QI verbal e não verbal (SVPD) apresentaram mais problemas externalizantes e síndromes mistas. A alta inteligência verbal foi associada a um maior risco de transtornos de ansiedade, enquanto a alta inteligência de raciocínio perceptual foi um fator protetor. Essa “assincronia no desenvolvimento” pode expor as crianças a um risco maior de desregulação emocional e comportamental.

O transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) foi a comorbidade mais investigada. Estudos revelaram que a superdotação pode atuar como um fator de proteção, atenuando os sintomas de inatenção em ambientes estimulantes. O comportamento de uma criança pode ser erroneamente interpretado como TDAH quando, na verdade, é resultado de tédio ou falta de estímulo. No entanto, quando a comorbidade existe, os indivíduos superdotados com TDAH apresentam mais problemas psicopatológicos, como depressão e transtorno obsessivo-compulsivo. A revisão aponta a necessidade de mais pesquisas sobre a comorbidade com o transtorno do espectro autista (TEA), que, embora comum na prática clínica, foi pouco investigada nos estudos analisados.

Conclusão e Implicações Futuras

A superdotação não é um fator determinista para o surgimento de problemas socioemocionais. A complexa interação entre o perfil cognitivo individual, o ambiente e as comorbidades subjacentes tem um papel crucial. Para uma avaliação adequada, os estudos futuros devem adotar uma abordagem multi-informante, considerar a discrepância entre habilidades verbais e não verbais e expandir a investigação para comorbidades menos exploradas, como o TEA.

Referência:

TASCA, I. et al. Behavioral and Socio-Emotional Disorders in Intellectual Giftedness: A Systematic Review. Child Psychiatry & Human Development, v. 55, n. 4, p. 768–789, 2024.

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