A Função da Expansão Discursiva e o Raciocínio na Educação Matemática

A compreensão das funções da linguagem no processo de ensino-aprendizagem, particularmente no campo da matemática, é fundamental para analisar a produção discente e o desenvolvimento do raciocínio. A noção de função de expansão discursiva, conforme explorada por Raymond Duval, oferece uma lente analítica para decifrar o pensamento dos alunos em resposta a atividades pedagógicas, especialmente aquelas que demandam justificativas ou explicações.

No contexto do ensino fundamental e médio, onde a presença de demonstrações em matemática tem diminuído, atividades que estimulam o raciocínio tornam-se cruciais. A função de expansão discursiva permite caracterizar os discursos dos alunos em tarefas matemáticas que podem ser consideradas como manifestações de raciocínio, contribuindo para a prática pedagógica. Duval (1995) postula que todo sistema de representação semiótica possui três funções metadiscursivas: comunicação, tratamento e objetivação. Além disso, para que um sistema se constitua como língua, ele deve cumprir quatro funções discursivas: referencial, apofântica, reflexividade e expansão discursiva. A função de expansão discursiva é particularmente relevante para o raciocínio, pois conecta enunciados entre si, formando um todo coerente.

O raciocínio, segundo Duval (1995), pode ser caracterizado de duas formas principais: a primeira, que envolve a derivação de uma proposição a partir de uma ou mais premissas, utilizando fortemente a linguagem como meio semiótico, como ocorre nas demonstrações matemáticas. A segunda forma procede por antecipação e seleção das proposições confirmadas, não estando necessariamente ligada à utilização da linguagem, mas sim à manipulação de instrumentos ou objetos. É importante notar que essas duas formas de raciocínio não implicam em uma “equivalência funcional”, ou seja, o desenvolvimento de uma não garante o desenvolvimento da outra.

A expansão discursiva pode ocorrer de diversas maneiras, sendo a expansão por acumulação (ou composição) e a expansão por substituição as mais destacadas. A expansão por acumulação dá origem à inferência semântica e à argumentação, que podem ser expressas em linguagem natural ou formal. A inferência semântica é comum na produção discente, onde frases isoladas podem se unir para formar um enunciado completo. Já a expansão por substituição é característica do cálculo, operando por substituições sucessivas, como na resolução de equações. A dedução, parte da argumentação, é inerente à demonstração matemática e é essencial para o desenvolvimento da disciplina.

Em atividades escolares, os termos “justifique a resposta” ou “explique a resposta” são frequentemente utilizados e, no contexto brasileiro, podem levar a raciocínios. No entanto, Duval (1995) distingue a explicação da argumentação e do raciocínio. Para ele, a explicação não visa modificar o valor epistêmico de um enunciado alvo, mas sim fornecer novas informações sobre um fenômeno. Além disso, os valores epistêmicos das proposições não desempenham um papel na expansão discursiva da explicação. O raciocínio, por sua vez, desenvolve relações de dependência entre proposições, e o valor epistêmico é um fator essencial em sua expansão discursiva.

Um discurso pode ser considerado um raciocínio quando há uma proposição a ser justificada e o foco está no valor lógico ou epistêmico. No exemplo do problema dos pintores, a resolução do aluno demonstra um raciocínio por expansão discursiva por substituição nos cálculos e por acumulação na comparação dos valores para a tomada de decisão, mesmo que implicitamente. Formas de expansão discursiva como a expansão natural (onde o conhecimento da língua é suficiente para estabelecer relações de causa e efeito implícitas), a expansão formal (ligada a símbolos e notações) e a expansão cognitiva (que exige conhecimento de definições e regras) podem ocorrer isoladamente ou combinadas, caracterizando diferentes tipos de raciocínio e argumentação.

As demonstrações em matemática, sendo o raciocínio por excelência, manifestam-se de duas formas principais: o modus ponens (P→Q,P∴Q) e o modus tollens (P→Q,∼Q∴∼P), também conhecido como prova por reductio ad absurdum. Enquanto a dedução opera com o valor do estatuto teórico das proposições (hipótese, tese, definição), a argumentação se fundamenta no valor de conteúdo epistêmico (evidente, absurdo, verossímil).

A análise da produção discente através da função de expansão discursiva, com base nos trabalhos de Raymond Duval, oferece insights valiosos para a didática da matemática. Ao distinguir as diversas formas de expansão e sua relação com o raciocínio, argumentação e explicação, é possível formular atividades que promovam efetivamente o desenvolvimento do pensamento lógico e crítico nos alunos, tanto por meio da linguagem natural quanto de registros simbólicos e visuais. A promoção de discussões em grupo também se mostra uma estratégia eficaz para fomentar a argumentação e revelar os conhecimentos (e equívocos) dos estudantes.

Referência:

Moretti, M. T. (2023). Um estudo sobre a função de expansão discursiva e operações que caracterizam o raciocínio segundo Raymond Duval. 

REBECEM Revista Brasileira de Educação em Ciências e Educação Matemática, 7(4), 751-771. 

Related posts

Mídias Sociais e Saúde Mental: Uma Análise Científica de Benefícios, Riscos e Oportunidades no Cenário Digital Contemporâneo

A Dinâmica Sócio-Técnica da Plataformização: Codificação da Interação Social e a Construção da Socialidade Computada

A Otimização Estratégica do Marketing Digital: Plataformas de Mídias Sociais como Imperativo Competitivo no Cenário de 2024