A depressão é um problema de saúde mental amplamente reconhecido, mas as suas conceituações, em grande parte, se sobrepõem às da depressão em adultos, com pouca consideração dedicada às nuances do estágio desenvolvimental da adolescência. A subdetecção da depressão em adolescentes sugere uma necessidade crítica de melhor compreensão da sua apresentação única, conforme vivenciada em primeira mão. Uma revisão sistemática e meta-agregação buscou sintetizar a experiência vivida da depressão em adolescentes, identificando o que os próprios jovens consideram serem os traços centrais da sua condição.
Temas Centrais da Experiência Vivida (Metassíntese)
A análise da experiência subjetiva da depressão por adolescentes resultou na identificação de três temas agregados principais, que representam os elementos centrais e interconectados da vivência da doença:
1. Ser uma Experiência Interna e de Isolamento (Inner, Isolating Experience)
A depressão é caracterizada primariamente como uma vivência interna e isoladora, na qual os adolescentes percebem uma desconexão entre o seu mundo interno e o externo.
Sofrimento Central (Core Suffering): Os sentimentos centrais de sofrimento são descritos como esmagadores e abrangem uma gama de emoções negativas, incluindo tristeza profunda, culpa, e uma perda de significado e esperança (hopelessness). O desespero e o sentimento de solidão são proeminentes.
Ataques de Emoção (Attacks of Emotion): Os adolescentes experimentam ataques de emoções intensas e negativas, que são esmagadoras e parecem vir de repente, aumentando a sensação de perda de controle e imprevisibilidade.
Vazio (Emptiness): O tédio e a falta de prazer, muitas vezes caracterizados por uma sensação de vazio, são centrais, e os adolescentes relatam uma perda de sua identidade e de seu “verdadeiro eu”.
2. Perda de Controle e Funcionamento (Loss of Control and Functioning)
Os adolescentes sentem que perderam o controle sobre suas vidas e sua capacidade de funcionar no mundo.
Sentir-se Paralisado (Feeling Paralysed): A incapacidade de agir e tomar decisões é um sintoma chave, manifestando-se como falta de energia, inércia e fadiga (lethargy).
Perda de Habilidades (Loss of Abilities): Há um relato de declínio nas habilidades cognitivas, como concentração e funções executivas, além de uma perda de habilidades sociais e interesse em atividades prévias.
Corpo Estrangeiro (Foreign Body): Os sintomas físicos, incluindo alterações no sono (insônia/hipersonia) e no apetite (perda/ganho), são vivenciados como uma entidade “estranha” que sequestrou seu corpo, reforçando a sensação de perda de controle.
3. Tentativas de Lidar e Enfrentar (Attempts to Cope and Deal)
Este tema abrange as estratégias que os adolescentes usam para lidar com o sofrimento e as consequências de sua depressão.
Esforços para Esconder (Efforts to Hide): A maioria dos adolescentes relata o desejo de esconder ou mascarar seus sintomas dos outros, muitas vezes por medo de serem julgados, de causar preocupação ou por falta de linguagem para expressar sua dor. Este mascaramento é uma forma de coping.
Maneiras Negativas de Lidar (Negative Ways of Dealing): São tentativas de lidar que são autodestrutivas ou de alto risco, como autolesão (self-harm), abuso de substâncias e pensamentos/comportamentos suicidas.
Busca por Apoio (Searching for Support): Os adolescentes que procuram ativamente apoio tendem a buscar fontes fora da família, como amigos ou profissionais de saúde mental. Eles descrevem o processo de busca de ajuda como difícil, marcado pela incerteza sobre a quem recorrer e pelo receio de serem julgados.
Implicações Clínicas e a Necessidade de Mudança
Os resultados desta metassíntese reforçam a importância de incluir a perspectiva subjetiva do adolescente no diagnóstico e tratamento. A ênfase na perda de identidade e no vazio é uma característica particularmente proeminente na depressão adolescente, que pode ser subestimada em instrumentos de avaliação focados apenas em sintomas adultos. A tendência de esconder e mascarar os sintomas exige que os clínicos utilizem estratégias de screening ativas e que estabeleçam um ambiente de confiança para que os jovens se sintam seguros para compartilhar seu sofrimento central. A compreensão desses três temas deve informar o desenvolvimento de intervenções mais sensíveis ao desenvolvimento e culturalmente ajustadas para essa população.
Referência:
TWIVY, Eve; KIRKHAM, Miriam; COOPER, Myra. The lived experience of adolescent depression: A systematic review and meta-aggregation. Clinical Psychology and Psychotherapy, v. 30, n. 3, p. 478-495, 2023.