A Dinâmica Sócio-Técnica da Plataformização: Codificação da Interação Social e a Construção da Socialidade Computada

O crescimento e a penetração das mídias sociais na sociedade contemporânea impuseram uma reavaliação de seu papel, que transcende a mera função de rede social para se estabelecer como entidades sociotécnicas fundamentalmente preocupadas com o backstage datawork. O artigo de Alaimo e Kallinikos (2017) propõe uma estrutura teórica para desvendar as operações infraestruturais que moldam a participação do usuário, culminando na produção de uma socialidade computada.

As Três Operações Fundamentais das Plataformas de Dados

As plataformas de mídias sociais operam por meio de três processos de dados essenciais que visam orquestrar a participação do usuário e extrair valor do cotidiano social : codificação (encoding), agregação (aggregation) e computação (computation).

1. Codificação (Encoding)

A codificação representa o primeiro passo e é primária e fundamental. Ela envolve a engenharia da participação do usuário ao longo de tipos de atividade restritos e padronizados, como curtir (liking), seguir (following), ou marcar (tagging). Esta participação pesadamente roteirizada serve como base para a aquisição de tokens de dados discretos e calculáveis, conhecidos como dados sociais (social data).

A codificação não apenas registra atividades, mas sim cria as ações que os usuários são convidados a realizar, registrando o desempenho dessas ações em campos de dados distintos. A distinção é crucial: dados sociais (o ato de curtir, marcar, postar) são separados do conteúdo gerado pelo usuário (user-generated content – UGC, como comentários ou vídeos). Enquanto o UGC forma o pano de fundo comunicativo, os dados sociais padronizados são o material bruto para as operações subsequentes, representando indicadores quantificáveis das preferências e escolhas dos usuários.

2. Agregação (Aggregation)

Após a codificação, a agregação é o segundo passo crítico, onde as ações individuais discretas, codificadas como dados, são reunidas em entidades maiores. Este processo de agregação é frequentemente utilizado no sentido estatístico, criando uma nova entidade de dados de nível superior a partir de propriedades ou atributos de usuários conforme definidos pela codificação da plataforma.

A agregação estabelece o contexto quantitativo de referência contra o qual os padrões de ação do usuário se tornam visíveis e relevantes. Um exemplo fundamental é a definição de usuários como agregações de tags ou “curtidas” (likes). Ao serem constituídos como um agregado de ações, os usuários se tornam comensuráveis a outros usuários sob a mesma unidade de medida (e.g., dados de curtidas), permitindo a comparação e correlação eficientes.

3. Computação (Computation)

A computação abrange as possibilidades de cálculo que decorrem da codificação e agregação, reformulando a participação na plataforma em termos calculáveis. A computabilidade dos agregados permite o escalonamento da rede (macro) ao usuário (micro) através de agrupamentos e categorias quantitativas estabelecidas por métricas como similaridade e popularidade. Essas pontuações (similaridade, popularidade, trending) constituem o que é denominado socialidade computada (computed sociality). Essa socialidade é uma derivação quantitativa de uma experiência projetada , na qual a interação e a construção de comunidades são definidas e moldadas pelas medidas produzidas pelo processamento contínuo da pegada de dados. Essa socialidade computada é artificial e carece da densidade social e cultural de comunidades reais.

Social Media como Espaços Pós-Transacionais

A análise detalhada dessas operações leva à conclusão de que as mídias sociais são melhor vistas como espaços pós-transacionais. Tais plataformas concentram-se na produção, computação e relevância comercial de perfis de usuários ou gostos, derivados de uma socialidade projetada, e não primariamente na execução de transações.

O valor é extraído da dataficação do aspecto social e comunicativo do cotidiano (como a intenção de compra ou a exibição de gosto). Isso é feito hugemente ampliando o espaço onde os usuários são perfilados pelas formas tipificadas de expressão e comunicação na plataforma, em vez de por compromissos concretos (hardwired actions) ou transações fora da plataforma. A lógica infraestrutural de codificação, agregação e computação é, em última instância, o motor que extrai valor e gera lucro do cotidiano social que as próprias plataformas ajudam a projetar.

Referência:

ALAIMO, Cristina; KALLINIKOS, Jannis. Computing the everyday: social media as data platforms. The Information Society, [S.l.], v. 33, n. 4, p. 175-191, 2017. DOI: 10.1080/01972243.2017.1318327.

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