Por que o cérebro de autistas superdotados prefere falar de ideias ao invés de si mesmos?

Quem nunca teve que se apresentar a um pequeno ou grande grupo e falar de si mesmo? Falar sobre quem é, o que faz, porque está ali e o que espera daquele encontro, seja na escola, nas aulas iniciais da faculdade ou em uma entrevista de emprego.

Essa questão é bastante interessante e revela uma combinação complexa de fatores neuropsicológicos e neurocientíficos que podem explicar por que adultos autistas com superdotação frequentemente evitam falar de si mesmos, mas demonstram grande interesse ao discutir assuntos específicos de seu interesse.

Quais são os fatores psicológicos envolvidos?

Autoconhecimento e autoestima
Os indivíduos autistas, principalmente aqueles com superdotação, podem experimentar adversidades em processar e expressar emoções relativas ao autoconhecimento e à autoimagem, o que os leva a evitar falar sobre si mesmos. Essas dificuldades podem estar relacionadas ao desconforto social e também à ansiedade com relação à forma como são percebidos pelas outras pessoas.

Comunicação e autorregulação
Por efeito das diferenças na maneira de processar informações sociais e emocionais, esses indivíduos podem preferir debates sobre interesses específicos onde se sentem mais seguros, ao invés de explorarem aspectos pessoais de sua existência. Essas predileções podem agir como uma forma de autorregulação emocional e de obtenção de sensações de competência.
Sob uma perspectiva neurocientífica, quais seriam as áreas cerebrais envolvidas na autorregulação

Rede de modo padrão (DMN – Default Mode Network)
Essa rede é fundamental na reflexão e análise sobre o eu, pensamentos internos e nostalgia. Estudos indicam que autistas, particularmente aqueles com superdotação, podem apresentar diferenças tanto na ativação quanto na conectividade do DMN, o que pode dificultar o processamento de informações relativas ao “eu”.

Córtex pré-frontal medial (CPFM)
O CPFM está envolvido na teoria da mente, na empatia e na compreensão dos estados mentais próprios e também de terceiros. Uma ativação atípica nessa região específica está associada às dificuldades de introspecção e de comunicação sobre o “eu”.

Região temporal média e córtex orbitofrontal
Estas regiões estão envolvidas na avaliação social e na tomada de decisão emocional. Quando há dificuldades na ativação dessas áreas, isso pode influenciar a preferência por falar sobre tópicos que são do seu interesse, ao invés de falar sobre aspectos pessoais.

Áreas relacionadas aos interesses específicos
Circuitos de recompensa
No momento que um indivíduo autista com superdotação está discutindo um assunto de interesse, há ativação significativa do sistema dopaminérgico, incluindo a região ventral tegmental (VTA) e o núcleo accumbens, proporcionando assim, uma sensação de prazer e motivação, reforçando o foco nesses tópicos.

Neurodiversidade na conectividade cerebral
Diferentes padrões de conectividade entre redes cerebrais podem gerar um perfil mais focado em interesses específicos, com menor ativação relativa durante a discussão de assuntos “pessoais” ou sociais.

Em suma, a predisposição de evitar falar de si mesmo pode estar relacionada a dificuldades na ativação do DMN, na reflexão introspectiva e na compreensão dos próprios estados mentais. O interesse por assuntos específicos potencialmente ativa o sistema de recompensa, motivando a fala sobre esses tópicos, enquanto falar de si mesmo pode não gerar o mesmo estímulo ou sensação de recompensa. Diferenças na ativação e conectividade de regiões como o córtex pré-frontal medial, temporal média e o córtex orbitofrontal juntas moldam então esses comportamentos em indivíduos autistas superdotados.

Referências:
Buckner, R. L., Andrews-Hanna, J. R., & Schacter, D. L. (2008). The brain’s default network: anatomy, function, and relevance to disease. Annals of the New York Academy of Sciences, 1124(1), 1–38.

Schipul, S. E., & Pan, B. (2019). Neural mechanisms of social cognition in autism spectrum disorder. Current Opinion in Neurobiology, 59, 134–142.

Lombardo, M. V., Chakrabarti, B., & Baron-Cohen, S. (2011). Why do autistic individuals show enhanced perception of detail? The multidisciplinary nature of autisms. Journal of Neuroscience, 31(8), 277–279.

Ben Shalom, D. (2018). Neurocognitive mechanisms of social cognition in autism spectrum disorder. Progress in Brain Research, 237, 209–246.

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