A compreensão dos estados emocionais de outras pessoas, particularmente em interações face a face, é uma capacidade fundamental para a coesão social e para o funcionamento adaptativo em contextos interpessoais. O estudo conduzido por Schulte-Rüther et al. (2007) aprofunda-se nessa temática ao explorar os substratos neurais da empatia, destacando o envolvimento simultâneo e diferencial dos mecanismos associados aos neurônios-espelho (mirror neuron system – MNS) e à teoria da mente (Theory of Mind – ToM).
A empatia, conforme delineada pelos autores, não se reduz a um fenômeno de contágio emocional, mas envolve inferência psicológica em contextos sociais específicos. Essa distinção é relevante, pois diferencia reações automáticas daquelas que demandam processos mentais mais elaborados, como a tomada de perspectiva e a manutenção da distinção entre o self e o outro. Para investigar esses processos, os participantes do estudo foram submetidos a uma tarefa de neuroimagem funcional que envolvia a observação de rostos com expressões emocionais (raiva ou medo) sob duas condições: uma de avaliação da própria resposta emocional (“self-task”) e outra de inferência sobre o estado emocional do outro (“other-task”).
Os resultados revelaram que ambas as tarefas ativaram regiões comuns associadas tanto ao MNS quanto à ToM, como o córtex pré-frontal medial (MPFC), córtices frontais inferiores bilaterais, sulcos temporais superiores e os polos temporais. No entanto, a condição “self” ativou de forma diferencial regiões como o MPFC, a junção temporo-parietal (TPJ) e o córtex cingulado posterior/precuneus, indicando que estas áreas são centrais para a introspecção emocional em contextos sociais.
Um achado notável do estudo foi a ativação do sistema dos neurônios-espelho em tarefas empáticas sem componentes motores explícitos, o que reforça a ideia de que esse sistema está envolvido não apenas na cognição motora, mas também na cognição interpessoal emocional. A implicação desse resultado vai além da simples ressonância afetiva — sugere que o MNS pode operar como um mecanismo de “mapeamento inverso” que permite ao observador simular internamente a experiência emocional do outro. É interessante observar que essas ativações se correlacionaram significativamente com escores individuais de empatia, conforme mensurado por escalas psicométricas validadas (BEES e ECS), o que confere robustez ao modelo neurofuncional proposto.
O envolvimento da TPJ na distinção entre self e outro reforça hipóteses anteriores sobre sua função na mediação entre perspectivas internas e externas. Este dado sugere que o processamento empático não é apenas uma assimilação de estados afetivos, mas uma operação de integração e discriminação entre identidades emocionais. Além disso, o MPFC mostrou um padrão de ativação que inclui tanto suas porções dorsais quanto ventrais, refletindo a sobreposição entre processos auto-referenciais e julgamentos sociais complexos, consistentes com achados prévios na literatura em neurociência social.
Outro ponto relevante do experimento foi a manipulação do olhar direto versus desviado nos estímulos faciais. Embora o olhar direto tenha aumentado a intensidade emocional percebida, esse fator modulou mais fortemente a resposta subjetiva do que os padrões de ativação cerebral, indicando que certos efeitos sociais do contato visual podem operar em níveis sutis de processamento emocional.
A meu ver, esse estudo representa um avanço notável por conseguir operacionalizar a empatia em termos experimentais de forma ecologicamente válida, preservando elementos interativos fundamentais, como o direcionamento do olhar e a tomada de perspectiva. Ao integrar metodologias de imagem cerebral com tarefas de avaliação emocional autorreferida e heterorreferida, os autores evidenciam a complexidade da empatia como um construto multidimensional, sustentado por múltiplas redes neurais que operam de forma coordenada, mas funcionalmente distinta.
Referência:
SCHULTE-RÜTHER, Martin et al. Mirror neuron and theory of mind mechanisms involved in face-to-face interactions: a functional magnetic resonance imaging approach to empathy. Journal of Cognitive Neuroscience, v. 19, n. 8, p. 1354–1372, 2007. DOI: https://doi.org/10.1162/jocn.2007.19.8.1354.

