Desvendando o Autismo: Um Olhar sobre Seus Subtipos

A. C. Para Unsplash+

Por: Flávio da Silva Nunes

Como especialista em neuropsicopedagogia, neurociências e comportamento humano, vejo com grande entusiasmo os avanços recentes na compreensão do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Um estudo inovador, conduzido por pesquisadores da Universidade de Princeton e da Fundação Simons e publicado recentemente na renomada revista Nature Genetics (8 de julho), nos traz uma nova perspectiva. Ele identifica quatro subtipos de autismo distintos tanto clinicamente quanto biologicamente, um passo gigantesco para tratamentos mais personalizados e eficazes.

Metodologia e Abordagem Centrada na Pessoa

Os cientistas analisaram dados de mais de 5 mil crianças do estudo Spark, um dos maiores bancos de dados genéticos sobre autismo. O que realmente me chamou a atenção foi a combinação de um modelo computacional avançado com uma abordagem centrada na pessoa. Isso significa que eles não olharam apenas para os diagnósticos, mas sim para mais de 230 características clínicas, comportamentais e de desenvolvimento, como interações sociais, padrões de comportamento repetitivo e marcos importantes de fala e locomoção. Essa metodologia é crucial, pois nos permite ver o indivíduo em sua complexidade, muito além de um rótulo diagnóstico.

Os Quatro Subtipos e Suas Implicações Neuropsicopedagógicas

A identificação desses quatro subtipos reforça o que já percebemos na prática: o TEA é um espectro vastíssimo, e cada indivíduo apresenta um perfil único.

1.Desafios Sociais e Comportamentais (37% dos participantes): Este grupo exibe as características clássicas do autismo — dificuldades de interação social e comportamentos repetitivos — mas, notavelmente, sem atrasos no desenvolvimento motor ou da fala. Contudo, é comum a presença de comorbidades como TDAH, ansiedade, depressão e transtorno obsessivo-compulsivo.

Este subtipo destaca a importância de uma avaliação diagnóstica e interventiva abrangente. A ausência de atrasos motores ou de fala, mas a presença de comorbidades psiquiátricas, sugere que as intervenções neuropsicopedagógicas, entre outras, devem focar não apenas nos desafios de comunicação e comportamento, mas também no manejo dessas condições associadas, que podem impactar significativamente a aprendizagem e o bem-estar emocional.

2.TEA Misto com Atraso no Desenvolvimento (19%): Crianças neste subtipo geralmente apresentam atrasos no desenvolvimento motor (demoram a andar) e de fala, mas tendem a não ter problemas de ansiedade ou comportamentos disruptivos. A intensidade dos sintomas sociais e repetitivos pode variar.

Este grupo nos lembra da interconexão entre as áreas do desenvolvimento. Atrasos na aquisição de marcos motores e de linguagem impactam diretamente a interação social e a capacidade de engajamento em atividades de aprendizagem. A relativa ausência de ansiedade ou comportamentos disruptivos pode indicar uma janela de oportunidade para intervenções precoces e focadas no desenvolvimento das habilidades básicas, facilitando a neuroplasticidade.

3.Desafios Moderados (34%): São indivíduos com sintomas autísticos mais leves e que alcançam os marcos de desenvolvimento no tempo esperado, geralmente sem outras condições psiquiátricas associadas.

Este subtipo ressalta que o espectro é vasto. Muitas vezes, esses indivíduos podem ter suas dificuldades subestimadas por apresentarem um perfil mais “funcional”. Contudo, mesmo sintomas leves podem gerar desafios significativos no ambiente escolar e social. A intervenção neuropsicopedagógica deve se concentrar em estratégias de suporte social e desenvolvimento de habilidades de autorregulação e flexibilidade cognitiva.

4.Amplamente Afetado (10%): Este é o grupo mais impactado, apresentando atrasos significativos no desenvolvimento, dificuldades sociais e comportamentais graves, além de uma alta frequência de condições como ansiedade, depressão e alterações de humor.

Este subtipo exige uma abordagem intensiva e multidisciplinar. A gravidade dos atrasos e a presença de múltiplas comorbidades indicam a necessidade de um plano de intervenção abrangente que contemple as esferas do desenvolvimento motor, da linguagem, social, emocional e comportamental. O suporte à família e a adaptação do ambiente são cruciais para promover a qualidade de vida e o desenvolvimento máximo do potencial dessas crianças.

Insights Genéticos e o Momento da Manifestação

Um achado particularmente fascinante é a identificação de padrões genéticos distintos para cada grupo. Por exemplo, crianças amplamente afetadas mostraram mais mutações genéticas “de novo” (não herdadas dos pais), enquanto as do grupo “TEA Misto com Atraso no Desenvolvimento” tinham mais variantes raras herdadas da família. A correlação entre fenótipos clínicos e genótipos específicos é um campo de pesquisa de ponta nas neurociências. Compreender as bases genéticas distintas para cada subtipo pode, no futuro, permitir o desenvolvimento de terapias-alvo e abordagens personalizadas que atuem diretamente nas vias biológicas afetadas, otimizando os resultados das intervenções comportamentais e educacionais.

Mais ainda, o estudo revelou que o momento em que as alterações genéticas influenciam o desenvolvimento varia entre os subtipos. Em alguns casos, a ação dos genes ligados ao autismo começa ainda na gestação. Em outros, como nos Desafios Sociais e Comportamentais, a influência genética se manifesta mais tarde, na infância, o que ajuda a explicar por que os sintomas aparecem mais tardiamente nesses casos. Se a manifestação genética ocorre em diferentes janelas de desenvolvimento, isso valida a observação clínica de que os sinais do TEA podem surgir em momentos distintos na vida de uma criança.

O Futuro do Tratamento Personalizado

A grande esperança é que, no futuro próximo, consigamos identificar o subtipo de autismo de uma criança logo após o diagnóstico. Isso abrirá portas para tratamentos mais adequados e personalizados, que podem ir desde terapias específicas até adaptações cruciais no ambiente escolar ou de trabalho.

Theesfeld, um dos pesquisadores do estudo, concluiu, “Com esses achados, estamos abrindo portas não só para entender melhor o autismo, mas também outras condições complexas e heterogêneas”. E eu, como especialista, concordo com ele. Essa pesquisa é um divisor de águas, nos guiando para uma era onde a compreensão individualizada do cérebro nos permite intervir de forma mais precisa e impactante, transformando a vida de quem está no espectro e de suas famílias.
Qual sua opinião sobre como esses achados podem impactar a prática educacional no dia a dia?

Referências Bibliográficas:

American Academy of Pediatrics Council on Children with Disabilities. (2020). Identification, Evaluation, and Management of Children With Autism Spectrum Disorder. Pediatrics, 145(1), e20193447.

Litman, A., Sauerwald, N., Green Snyder, L. et al. (2025). Decomposition of phenotypic heterogeneity in autism reveals underlying genetic programs. Nat Genet https://doi.org/10.1038/s41588-025-02224-z

Lord, C., Elsabbagh, M., Charman, G., & Gotham, K. (2018). The Autism Diagnostic Observation Schedule–2nd Edition: ADOS-2. Journal of Autism and Developmental Disorders, 48(4), 1161-1181.

Sanders, S. J., Sahin, M., & Thiele, E. A. (2018). Autism spectrum disorder: Neurobiology and treatment. Annual Review of Medicine, 69, 1-17.

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