Ativação Atípica do Sistema de Neurônios-espelho na Percepção do Movimento da Mão em Indivíduos com Autismo: Uma Abordagem por fMRI

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A teoria dos neurônios-espelho (mirror neuron system — MNS) tem desempenhado um papel central na tentativa de compreender os déficits sociais observados nos transtornos do espectro autista (TEA). Essas células, inicialmente descritas em primatas, ativam-se tanto na execução quanto na observação de uma ação, sugerindo uma ponte neural entre percepção e ação — um mecanismo chave para a empatia, imitação e compreensão social. No artigo de Martineau et al. (2010), essa hipótese foi testada por meio de neuroimagem funcional (fMRI) em adultos com autismo de alto funcionamento, revelando importantes nuances na ativação cerebral durante a observação e execução de movimentos manuais.

A pesquisa recrutou sete indivíduos com TEA e oito controles tipicamente desenvolvidos, todos destros, e aplicou um paradigma em blocos alternados de observação, execução e repouso, com foco na percepção de movimentos de flexão-extensão da mão. Os dados mostraram que, durante a execução motora, ambos os grupos ativaram a área motora primária contralateral, como esperado. No entanto, somente o grupo com TEA apresentou ativação adicional no cerebelo ipsilateral, sugerindo uma maior carga atencional ou uma disfunção cerebelar funcional, ainda que sem alterações anatômicas detectadas por imagem estrutural (Martineau et al., 2010).

O dado mais surpreendente emergiu da condição de observação. Em contraste com os controles, que ativaram principalmente o sulco intraparietal esquerdo e regiões occipitais bilaterais — áreas esperadas para o processamento visual-motor —, os indivíduos com autismo apresentaram ativação atípica no giro frontal inferior bilateral (pars opercularis), uma região central do MNS. Essa hiperativação, mais intensa do que nos controles durante a simples observação de um movimento humano, contradiz a hipótese de uma subativação do sistema em TEA, como observado em estudos anteriores com crianças (Dapretto et al., 2006), e sugere uma possível compensação ou padrão alternativo de processamento perceptivo-motor (Martineau et al., 2010).

Essa ativação exacerbada do MNS em indivíduos autistas durante a observação de ação, sobretudo na pars opercularis, é interpretada pelos autores como um marcador de funcionamento atípico — não necessariamente deficiente — desse sistema. Isso pode refletir uma interpretação distinta da ação observada. Para indivíduos neurotípicos, o gesto simples do vídeo poderia parecer trivial; para sujeitos com TEA, porém, poderia carregar um significado motor ou social diferenciado, suficiente para engajar intensamente o MNS. Essa ideia corrobora a noção de que a atividade do MNS no autismo pode ser modulada pelo grau de familiaridade e identificação com o estímulo observado, como já proposto por Oberman et al. (2008).

Além disso, foi observado que, durante a observação, indivíduos com TEA ativaram regiões como os sulcos central e pós-central — componentes clássicos do córtex motor e somatossensorial — que não foram engajados nos controles. Isso pode indicar uma tendência do cérebro autista a processar estímulos sociais de forma mais concretamente motora ou sensorial, em vez de integrá-los a redes sociais mais abstratas. Também se destaca a ausência de ativação diferencial no precuneus nos indivíduos com TEA, região associada a autorreferência e consciência social — outro indicativo da disfunção de redes relacionadas à teoria da mente e à introspecção social em autismo (Martineau et al., 2010).

Em suma, o estudo de Martineau e colaboradores oferece uma contribuição relevante ao debate sobre o papel do sistema de neurônios-espelho nos distúrbios do espectro autista. Ao demonstrar que não apenas há ativação desse sistema em adultos com TEA, mas que ela pode ser amplificada em certas condições perceptuais, os autores desafiam a concepção simplista de um MNS simplesmente hipoativo. Em vez disso, sugerem que o funcionamento do MNS em autismo é qualitativamente distinto — uma reorganização funcional que pode tanto contribuir quanto limitar habilidades sociais. Essa perspectiva aponta para a necessidade de abordagens mais individualizadas em terapias que visem a reabilitação social no autismo, além de reforçar a importância de compreender os correlatos neurais da percepção da ação e da empatia como processos dinâmicos e contextuais.

Referência:
MARTINEAU, Joëlle et al. Atypical activation of the mirror neuron system during perception of hand motion in autism. Brain Research, v. 1320, p. 168–175, 2010. DOI: https://doi.org/10.1016/j.brainres.2010.01.035.

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