A descoberta recente de neurônios com propriedades de espelhamento no hipotálamo ventromedial (VMHvl) de camundongos oferece uma nova perspectiva sobre a origem e função dos neurônios-espelho, tradicionalmente associados a comportamentos empáticos e complexos nas regiões neocorticais de primatas. Ao contrário das concepções anteriores que situavam os neurônios-espelho como subprodutos de aprendizagem associativa nas áreas cerebrais mais recentes, os dados apresentados por Yang et al. sugerem que tais mecanismos já existiam em estruturas cerebrais filogeneticamente antigas, com funções centrais para a sobrevivência, como a agressão territorial.
Utilizando técnicas de imagem por fotometria de fibras e miniscópios, os autores demonstraram que determinados neurônios do VMHvl se ativam tanto quando o animal realiza comportamentos agressivos quanto quando apenas observa uma luta entre terceiros. Esta resposta não foi atribuída à mímica comportamental nem à ativação por feromônios, como se poderia esperar em roedores, pois mesmo camundongos geneticamente modificados para serem anósmicos (Trpc2–/–) apresentaram ativação dos neurônios ao observar agressões alheias. Isso indica que a ativação é predominantemente visual e não depende de experiência prévia ou aprendizagem associativa com comportamentos agressivos (Ferrari et al., 2023).
Este achado é significativo não apenas por expandir a localização anatômica dos neurônios-espelho para o hipotálamo — uma estrutura associada a comportamentos instintivos como alimentação, sono e reprodução —, mas também por implicar tais neurônios em respostas inatas e estereotipadas. Além disso, a manipulação quimio-genética dessas células demonstrou que sua inibição reduz a agressão, enquanto sua ativação a intensifica, até mesmo direcionando comportamentos agressivos para o próprio reflexo no espelho. Isso sugere que esses neurônios são tanto necessários quanto suficientes para a expressão de agressividade, configurando um circuito neural profundamente enraizado na biologia da sobrevivência (Ferrari et al., 2023).
A hipótese de que os neurônios-espelho do neocórtex surgiram como uma consequência epigenética do desenvolvimento — e não como um produto direto da seleção natural — é desafiada pelos dados apresentados. A presença de mecanismos de espelhamento em centros hipotalâmicos conservados ao longo da evolução aponta para um modelo mais abrangente, em que diferentes tipos de neurônios-espelho evoluíram de maneira mosaica, com múltiplas origens e funções contextualmente moduladas. Enquanto os sistemas neocorticais mais recentes apresentam plasticidade e dependência da experiência individual, os sistemas hipotalâmicos operam de forma rígida, ativando padrões comportamentais estereotipados frente a estímulos-chave — semelhantes aos “estímulos sinais” definidos na etologia clássica (Ferrari et al., 2023).
Importante ainda é o impacto dessa descoberta sobre a interpretação do papel dos neurônios-espelho na empatia. Tradicionalmente vistos como mediadores da compreensão emocional e da imitação, os neurônios-espelho agora se mostram também envolvidos na ativação de comportamentos socialmente disruptivos, como a agressão. Isso sugere que os mecanismos neurais que sustentam a empatia e a violência podem compartilhar circuitos neurais comuns, cuja ativação depende de contextos ambientais e de pressões adaptativas específicas. Essa ambivalência — ou, como colocado no artigo, o “lado sombrio” dos neurônios-espelho — exige uma reformulação das concepções simplistas que associam automaticamente essas células a processos empáticos (Ferrari et al., 2023).
Ao revelar a presença de neurônios-espelho no VMHvl com função essencial na agressão, este estudo não apenas ilumina aspectos fundamentais da neurobiologia do comportamento social, como também fornece uma base sólida para compreender como circuitos neurais primitivos e robustos moldam respostas comportamentais críticas para a sobrevivência e a organização social. Pessoalmente, ao ler este artigo, notei como a dicotomia entre empatia e agressão, muitas vezes abordada como antagônica, pode estar enraizada em mecanismos neurais compartilhados, dependentes de fatores contextuais e filogenéticos.
Referência:
FERRARI, Pier Francesco; MÉNDEZ, Carlos Andrés; COUDÉ, Gino. Aggression: The dark side of mirror neurons sheds light on their functions. Current Biology, v. 33, n. 8, p. R296–R318, 2023. DOI: https://doi.org/10.1016/j.cub.2023.03.028.