A relação entre inteligência e desempenho acadêmico é um tema clássico nas ciências cognitivas, frequentemente revisitado à luz de novos métodos psicométricos e contextos educacionais específicos. O estudo longitudinal conduzido por Gygi et al. (2017) oferece uma contribuição relevante ao explorar a validade preditiva de quatro testes de inteligência amplamente utilizados em países de língua alemã: IDS, RIAS, SON-R 6-40 e WISC-IV. A pesquisa buscou avaliar em que medida essas ferramentas conseguem prever, com três anos de antecedência, o rendimento escolar em matemática e linguagem em crianças em idade escolar.
A relevância do estudo repousa no fato de que, embora a inteligência seja considerada o preditor isolado mais robusto de sucesso escolar (Deary et al., 2007), ainda há escassez de dados sobre a eficácia preditiva de testes específicos quando o critério de validação são as notas escolares – uma medida que, diferentemente de testes padronizados, integra aspectos como motivação, autorregulação e contexto socioeducacional.
A amostra envolveu 103 crianças (M = 9,17 anos), das quais 54 foram acompanhadas longitudinalmente para coleta de notas escolares após três anos. Os resultados mostraram que todos os testes apresentaram validade preditiva significativa para a média geral das notas. No entanto, apenas os testes IDS e RIAS foram preditores significativos tanto para matemática quanto para linguagem. O SON-R 6-40 demonstrou predição apenas para matemática, e o WISC-IV não apresentou predição significativa para nenhuma das disciplinas isoladamente.
Essas diferenças merecem atenção crítica. O IDS, por exemplo, inclui subtestes que avaliam aspectos de memória de trabalho (fonológica e visuoespacial), componentes já bem estabelecidos como correlatos do desempenho em matemática e linguagem. De modo similar, o RIAS integra tarefas de raciocínio verbal e não verbal, capturando aspectos tanto da inteligência fluida quanto cristalizada. Já o SON-R 6-40, por sua natureza não verbal, mostra-se mais sensível à predição de habilidades matemáticas, frequentemente associadas a raciocínios visuoespaciais. O WISC-IV, por sua vez, embora reconhecido internacionalmente, mostrou-se limitado no contexto específico da amostra analisada, talvez devido ao menor peso relativo de componentes verbais e de memória de trabalho nas estimativas de inteligência geral utilizadas na análise (FSIQ).
É importante destacar que o efeito preditivo encontrado foi de magnitude pequena a moderada, inferior às estimativas relatadas em meta-análises prévias (Roth et al., 2015). Os autores apontam que esse achado pode ser explicado, ao menos em parte, por restrições de variância nas notas escolares (concentradas na faixa de aprovação), pelo tamanho reduzido da amostra e por possíveis características atípicas do grupo (com escores de QI ligeiramente acima da média populacional).
A escolha das notas escolares como critério de desempenho também suscita considerações metodológicas. Por refletirem avaliação contínua, as notas são influenciadas por múltiplas variáveis não cognitivas — o que pode diluir o efeito puro da inteligência. Por outro lado, essa mesma característica confere validade ecológica às notas enquanto indicador de desempenho funcional em contextos reais de aprendizagem.
O estudo levanta ainda implicações práticas importantes. Psicólogos escolares e clínicos devem considerar com cautela os componentes avaliados por cada teste de inteligência, especialmente quando o objetivo é estimar desempenho futuro em disciplinas específicas. Testes que integram tarefas de memória de trabalho e raciocínio verbal, como o IDS e o RIAS, demonstraram ser particularmente úteis para esse tipo de previsão. Ademais, o uso exclusivo do QI total (FSIQ), sem atenção às particularidades dos índices específicos, pode mascarar informações relevantes para a compreensão do perfil cognitivo do estudante.
Por fim, o estudo ressalta a necessidade de mais pesquisas com amostras maiores e diversificadas, incluindo crianças com necessidades educacionais especiais ou com diferentes perfis cognitivos, a fim de consolidar a validade preditiva dos testes avaliados. A despeito das limitações, os achados de Gygi et al. reforçam a importância da inteligência como um dos pilares do desempenho acadêmico, ao mesmo tempo em que convidam a uma compreensão mais sofisticada e multidimensional desse constructo em contextos educacionais reais.
Referência:
GYGI, Jasmin T.; HAGMANN-VON ARX, Priska; SCHWEIZER, Florine; GROB, Alexander. The Predictive Validity of Four Intelligence Tests for School Grades: A Small Sample Longitudinal Study. Frontiers in Psychology, v. 8, p. 375, 13 mar. 2017. Disponível em: https://doi.org/10.3389/fpsyg.2017.00375. Acesso em: 17 jun. 2025.