A síndrome metabólica (SM) representa um conjunto de condições inter-relacionadas — incluindo obesidade central, hipertensão, dislipidemia e hiperglicemia — que elevam significativamente o risco de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e cânceres específicos. Embora tradicionalmente associada a fatores comportamentais e dietéticos, novos caminhos de investigação apontam para variáveis fisiológicas menos convencionais, como a sensibilidade térmica individual, como potenciais marcadores clínicos de risco e alvos para intervenções personalizadas.
O estudo conduzido por Mun, Park e Lee (2022) oferece evidências robustas de que a sensibilidade térmica autopercebida pode estar associada à predisposição à SM de forma independente do grau de obesidade. Os autores demonstraram que mulheres com maior intolerância ao calor, maior sensação de calor corporal e menor intolerância ao frio apresentaram maior prevalência de SM e de componentes específicos como triglicerídeos elevados, glicemia de jejum elevada e pressão arterial elevada — mesmo com níveis de índice de massa corporal (IMC) semelhantes aos do grupo controle.
Um aspecto metodológico notável do estudo é a utilização de modelos aditivos generalizados (GAMs) para prever o padrão esperado de sensibilidade térmica com base em indicadores de obesidade (IMC e razão cintura-quadril). A partir disso, os participantes foram classificados em grupos com maior, menor ou esperada sensibilidade térmica. Essa estratégia permitiu dissociar os efeitos diretos da obesidade dos efeitos da sensibilidade térmica, evidenciando que há um papel independente da termorregulação subjetiva na fisiopatologia da SM.
As implicações clínicas são relevantes. A identificação precoce de indivíduos em risco — particularmente aqueles com fenótipo de “obeso metabolicamente saudável” ou “eutrófico metabolicamente disfuncional” — permanece um desafio. A sensibilidade térmica, por ser de avaliação simples e não invasiva por meio de questionários, pode ser incorporada ao perfil individual na abordagem da Medicina Preditiva, Preventiva e Personalizada (PPPM), auxiliando tanto na estratificação de risco quanto na indicação de intervenções direcionadas, como a termogênese induzida pelo frio (CIT).
Além disso, os autores sugerem que indivíduos com maior intolerância ao calor e menor sensibilidade ao frio podem demandar estímulos térmicos mais intensos (por exemplo, exposições ao frio mais prolongadas ou intensas) para desencadear os efeitos metabólicos benéficos da CIT, como maior oxidação de substratos e melhora da sensibilidade à insulina. Isso abre caminho para protocolos terapêuticos personalizados, ajustados ao limiar termoneutro individual, que é influenciado por características fisiológicas e ambientais, mas raramente é considerado na prática clínica.
Importante destacar que, apesar dos achados promissores, o estudo apresenta limitações, como seu desenho transversal (que impede inferências causais) e a exclusividade de uma amostra composta por mulheres coreanas entre 30 e 55 anos. Ainda assim, os resultados oferecem uma base conceitual sólida para futuras pesquisas experimentais que explorem o papel da termorregulação na homeostase metabólica e para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas inovadoras no combate às doenças metabólicas.
Em síntese, a sensibilidade térmica emerge como um marcador funcional relevante na abordagem de doenças metabólicas, não apenas como um reflexo da obesidade, mas como um fator autônomo de risco e uma variável modificável por intervenções ambientais. Ao integrar essa dimensão fisiológica nas avaliações clínicas e nos protocolos terapêuticos, avançamos no sentido de uma medicina verdadeiramente personalizada.
Referência:
MUN, Sujeong; PARK, Kihyun; LEE, Siwoo. Evaluation of thermal sensitivity is of potential clinical utility for the predictive, preventive, and personalized approach advancing metabolic syndrome management. EPMA Journal, v. 13, p. 125–135, 2022. DOI: https://doi.org/10.1007/s13167-022-00273-6.