A relação entre metabolismo basal e sensibilidade térmica sempre despertou interesse nas ciências fisiológicas, embora poucos estudos tenham abordado diretamente a associação entre o gasto energético em repouso (resting energy expenditure – REE) e a sensibilidade térmica percebida. A pesquisa conduzida por Mun et al. (2024) preenche essa lacuna ao investigar, em uma amostra populacional ampla e saudável, como diferentes percepções subjetivas ao frio e ao calor se correlacionam com o REE, considerando variáveis como idade, massa magra e gordura corporal.
O estudo avaliou 1567 adultos coreanos utilizando calorimetria indireta e questionários estruturados para caracterizar a sensibilidade térmica percebida em quatro dimensões: intolerância ao frio, intolerância ao calor, sensação de frio e sensação de calor. Os achados revelam um padrão de associação sexualmente dimórfico entre REE e essas percepções térmicas. Em homens, níveis mais altos de intolerância ao frio foram significativamente associados a valores mais baixos de REE, enquanto maior intolerância e sensação de calor se correlacionaram com valores mais elevados de REE. Já em mulheres, apenas a presença de sensação de frio mostrou-se inversamente associada ao REE, mesmo após ajustes multivariados (Mun et al., 2024).
Essa distinção entre os sexos sugere que mecanismos fisiológicos distintos mediam a percepção térmica e o metabolismo de repouso. Homens tendem a utilizar estratégias como tremores musculares (termogênese por calafrio) e sudorese para compensar desequilíbrios térmicos, respostas diretamente dependentes da taxa metabólica. Em contraste, mulheres parecem recorrer preferencialmente à vasoconstrição periférica como estratégia de conservação de calor, o que pode explicar a associação exclusiva entre sensação de frio e REE nesse grupo. Essa estratégia insulativa, menos dependente do metabolismo basal, explicaria a ausência de associação significativa com as demais dimensões térmicas em mulheres após o controle por massa de gordura corporal.
Outro aspecto notável do estudo é a robustez metodológica na categorização da sensibilidade térmica percebida. A distinção entre “intolerância” (tendência a se incomodar com temperaturas extremas) e “sensação” (experiência fisiológica de frio ou calor sem relação com o ambiente) permite refinar as interpretações fisiológicas e clínicas dos dados. A análise estatística multivariada, controlando fatores confusores relevantes, confere maior validade às associações detectadas.
Do ponto de vista clínico e fisiológico, os resultados apontam para a possibilidade de utilizar o REE como um marcador metabólico associado a diferentes perfis de sensibilidade térmica. Tal associação pode ser relevante no contexto de doenças como síndrome de Flammer, distúrbios metabólicos e transtornos termorregulatórios ligados a desequilíbrios endócrinos ou disfunções autonômicas. A percepção térmica, frequentemente desconsiderada nos modelos clínicos convencionais, pode oferecer informações fisiopatológicas adicionais quando integrada ao perfil metabólico do indivíduo.
Cabe, no entanto, uma ressalva quanto ao desenho transversal da pesquisa, o qual impede inferências causais. Adicionalmente, o uso de máscaras faciais durante a calorimetria pode ter superestimado o REE em comparação com métodos canopizados, e variáveis como ciclo menstrual ou estado subclínico da função tireoidiana, ausentes nas análises, poderiam influenciar os resultados, especialmente entre mulheres.
Ainda assim, o estudo representa um avanço significativo na compreensão das interações entre metabolismo basal e percepção térmica, destacando a importância de considerar a fisiologia sensorial individual na modelagem metabólica. Como reflexão pessoal, ao revisar esse artigo, me chamou atenção como aspectos subjetivos frequentemente ignorados na clínica, como o desconforto térmico relatado pelo paciente, podem refletir adaptações fisiológicas mensuráveis e até preditivas de condições de saúde.
Referência:
MUN, Sujeong et al. Resting energy expenditure differs among individuals with different levels of perceived thermal sensitivity: A cross-sectional study. Medicine, v. 103, n. 21, p. e38293, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.1097/MD.0000000000038293. Acesso em: 20 jun. 2025.