A propensão de pessoas autistas a desenvolverem crenças fortes — e, em alguns casos, a aderirem a ideias fixas ou sistemas de pensamento específicos — pode ser compreendida a partir de várias particularidades no funcionamento cerebral e nos processos cognitivos característicos do autismo.
Aqui estão alguns pontos-chave que explicam essa inclinação, sob a luz do que sabemos sobre o cérebro e o comportamento autista:
1. Busca por Padrões e Estrutura Rígida:
Pessoas com autismo tendem a ter um forte desejo de ordem, rotina e previsibilidade. O cérebro autista processa informações de uma forma que busca padrões claros e previsíveis, levando a uma interpretação do mundo menos baseada na ambiguidade. Esse estilo cognitivo pode fazer com que as crenças fixas ou sistemas de pensamento estruturados, que oferecem explicações “fechadas” e seguras sobre o mundo, sejam particularmente atraentes, já que fornecem uma “ordem” à realidade.
2. Sistema de Recompensa e Fixação em Interesses Específicos:
A neurociência do autismo aponta que o sistema de recompensa (ligado à dopamina) no cérebro autista pode funcionar de forma diferente. Para muitos autistas, interesses profundos e específicos são fonte de grande prazer e realização. Da mesma forma, aderir a uma crença ou conceito que ressoe com eles pode gerar uma forte sensação de propósito e pertencimento. Esse processo de “fixação” em um tema, crença ou sistema pode envolver o sistema de recompensa, consolidando a crença.
3. Processamento Sensorial e Estímulos:
Pessoas autistas frequentemente processam estímulos de maneira intensa, o que pode causar sobrecarga sensorial e emocional. Crenças podem atuar como um “ponto de ancoragem” mental, proporcionando um sentido de segurança em meio à complexidade do mundo. Além disso, esse processamento sensorial diferenciado influencia na forma como informações novas são recebidas e interpretadas, levando, às vezes, a uma “resistência” a ideias que desafiem crenças já estabelecidas.
4. Pensamento Literal e Concreto:
O pensamento literal e concreto, comum no autismo, pode afetar a forma como conceitos abstratos e informações contraditórias são processados. Em muitos casos, crenças que oferecem explicações diretas e lógicas do mundo são mais compatíveis com o modo de pensar autista. Isso pode fazer com que o autista adote certas crenças de forma mais estável e menos sujeita a mudanças, pois crenças abstratas ou paradoxais podem gerar desconforto e dificuldade de interpretação.
5. Diferenças na Teoria da Mente e Empatia Cognitiva:
A teoria da mente — a capacidade de entender que outras pessoas possuem pensamentos, crenças e perspectivas diferentes — pode ser menos desenvolvida em algumas pessoas autistas. Esse fator, em alguns casos, faz com que o autista interprete suas crenças como verdades objetivas, uma vez que a diferença de perspectiva pode não ser tão óbvia para ele. Essa diferença na teoria da mente pode favorecer a criação de crenças fortes, que não necessitam de validação externa para serem sustentadas.
6. Diferença na Integração das Redes Neurais:
Estudos de neuroimagem indicam que as redes neurais de integração de informações, como a rede de modo padrão (default mode network) e a rede de saliência, podem operar de forma diferente no cérebro autista. Isso pode impactar a maneira como ideias, valores e informações externas são processados, levando o indivíduo a sustentar crenças de maneira menos influenciada por pressões sociais ou convencionais e mais guiada por sua própria percepção interna.
Em resumo, a propensão de pessoas autistas a desenvolverem crenças fortes está enraizada em um conjunto de características neurobiológicas e cognitivas que promovem a busca por estrutura, previsibilidade e consistência. Essas crenças, que oferecem estabilidade em um mundo sensorial e socialmente complexo, podem representar para eles uma forma de organizar a experiência e encontrar significado.