Por: Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues – Pós PhD em Neurociências membro da Royal Society of Medicine no Reino Unido.
Quando há atraso de linguagem em crianças, é comum que também haja atraso na motricidade fina. Se ambos os atrasos forem acompanhados de um déficit cognitivo, há diversas causas e condições que podem estar em jogo. No entanto, quando o atraso de linguagem e da motricidade fina está associado a um avanço cognitivo — com maior raciocínio lógico abstrato, habilidade matemática, metacognição avançada, alta conscienciosidade e um instinto apurado — isso sugere um fenômeno de compensação neural. Nesse caso, áreas específicas do cérebro, como o córtex pré-frontal rostral e outras subregiões, incluindo o córtex pré-frontal dorsolateral, o córtex orbitofrontal e o córtex ventromedial, além da conexão robusta com o córtex cingulado anterior, mostram-se mais desenvolvidas, compensando déficits funcionais nas regiões motoras e de linguagem. Esse fenômeno de neuroplasticidade permite que essas subregiões do lobo frontal assumam funções compensatórias, aprimorando habilidades cognitivas avançadas para compensar a dificuldade nas áreas motoras e de linguagem.
A interdependência entre o desenvolvimento motor e o da linguagem ocorre porque áreas cerebrais motoras (como o córtex motor e o cerebelo) e áreas da linguagem (como Broca e Wernicke) estão interconectadas por circuitos que coordenam o controle motor dos músculos da fala e o planejamento de movimentos finos. Isso permite a integração sensório-motora, crucial para a execução sincronizada de movimentos precisos e habilidades linguísticas.
Esse tipo de caso é comum em autistas, pois muitos indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresentam déficits em áreas específicas, como a área de Broca e o giro angular, relacionadas à linguagem, e também na área motora primária e no cerebelo, responsáveis pela coordenação motora fina. Esses déficits podem prejudicar tanto a fala quanto a execução de movimentos finos. No entanto, para algumas pessoas com TEA, ocorre um sistema compensatório através da neuroplasticidade, no qual regiões mais anteriores do lobo frontal, como o córtex pré-frontal dorsolateral, o córtex ventromedial, e o córtex orbitofrontal, se desenvolvem de maneira mais robusta. Essas áreas estão associadas a habilidades de raciocínio lógico, pensamento abstrato e processos metacognitivos, ajudando a compensar os déficits nas regiões relacionadas à linguagem e motricidade. O córtex cingulado anterior, que contribui para a autorregulação emocional e a tomada de decisões, também pode estar mais conectado, contribuindo para o desenvolvimento de outras formas de processamento cognitivo avançado, mesmo diante das dificuldades motoras e de linguagem.
Nesses casos, quando a criança é pequena, é essencial observar cuidadosamente seu desenvolvimento, utilizando estratégias e atividades que ajudem a equilibrar o foco não apenas no atraso, mas também no fortalecimento das regiões que se desenvolveram para compensar. Se o efeito biológico da neuroplasticidade está em ação, há grande chance de ser eficaz. Deve-se prestar atenção em como a criança interpreta as emoções das pessoas, analisando se sua interação é baseada em confiança ou desconfiança, e se ela se comporta de forma diferente com pessoas conhecidas e desconhecidas. Também é importante observar o nível de empatia que ela demonstra com pessoas íntimas em comparação com aquelas fora de seu círculo, para avaliar a possibilidade de estar no espectro autista. Além disso, sinais como desconforto com determinadas texturas — seja em alimentos, roupas (como etiquetas), entre outros —, a repetição dos mesmos programas ou desenhos, e o hiperfoco em determinados brinquedos ou atividades são aspectos importantes para uma interpretação mais completa de seu desenvolvimento.
As descrições neste texto levantam a hipótese de que algumas crianças, mesmo que apresentem sinais leves de estar no espectro autista, podem ter potencial para superdotação, especialmente a partir da segunda ou após a terceira infância. Essas observações sugerem que, mesmo com características de TEA, essas crianças podem demonstrar um desenvolvimento cognitivo avançado à medida que crescem, revelando habilidades excepcionais com o passar do tempo. Na segunda ou terceira infância, devido à neuroplasticidade estar em constante desenvolvimento, o QI dessas crianças pode aumentar gradativamente, reforçando ainda mais o seu potencial para altas habilidades e superdotação.